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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação - Lênin



É natural que esta questão se coloque em primeiro lugar quando se procura examinar de modo marxista a chamada autodeterminação. O que se deve compreender por isto? Haverá que procurar a resposta em definições jurídicas, deduzidas de toda a espécie de noções gerais do direito? Ou deve-se procurar a resposta no estudo histórico-económico dos movimentos nacionais?

Não é de admirar que aos senhores Semkóvski, Líbman e Iurkévitch nem lhes tenha passado pela cabeça colocar esta questão, escapando-se com risinhos de troça acerca da falta de clareza do programa marxista e, pelos vistos, nem sequer sabem, na sua simplicidade, que da autodeterminação das nações fala não só o programa russo de 1903, mas também a decisão do Congresso Internacional de Londres de 1896 (disso falaremos pormenorizadamente no devido lugar). É muito mais estranho que Rosa Luxemburg, que tanto declama a propósito do pretenso carácter abstracto e metafísico do referido parágrafo, tenha incorrido ela própria precisamente neste pecado de abstracção e metafísica. É precisamente Rosa Luxemburg que cai constantemente em divagações gerais sobre a autodeterminação (chegando até a uma elucubração extremamente divertida sobre como conhecer a vontade da nação), sem colocar em parte alguma de modo claro e preciso a questão de saber se a essência do problema está nas definições jurídicas ou na experiência dos movimentos nacionais do mundo inteiro.

A colocação precisa desta questão, inevitável para o marxista, teria desfeito imediatamente nove décimos dos argumentos de Rosa Luxemburg. Não é a primeira vez que surgem na Rússia movimentos nacionais e não são próprios apenas dela. Em todo o mundo a época da vitória definitiva do capitalismo sobre o feudalismo esteve ligada a movimentos nacionais. A base económica destes movimentos consiste em que para a vitória total da produção mercantil é indispensável a conquista do mercado interno pela burguesia, é indispensável a coesão estatal dos territórios com uma população da mesma língua, com o afastamento de todos os obstáculos ao desenvolvimento dessa língua e à sua fixação na literatura. A língua é o meio mais importante de comunicação entre os homens; a unidade da língua e o seu livre desenvolvimento é uma das mais importantes condições de uma circulação comercial realmente livre e ampla, que corresponde ao capitalismo moderno, de um agrupamento livre e amplo da população em cada uma das classes, finalmente, é a condição de uma estreita relação do mercado com cada patrão, grande ou pequeno, com cada vendedor e comprador.

A formação de Estados nacionais, que são os que melhor satisfazem estas exigências do capitalismo moderno, é por isso a tendência de qualquer movimento nacional. Os mais profundos factores económicos empurram para isso, e para toda a Europa Ocidental — mais do que isso: para todo o mundo civilizado — o que é típico e normal para o período capitalista é o Estado nacional.

Consequentemente, se queremos compreender o significado da autodeterminação das nações sem brincar às definições jurídicas, sem «inventar» definições abstractas, mas analisando as condições histórico-econômicas dos movimentos nacionais, então chegaremos inevitavelmente à conclusão: por autodeterminação das nações entende-se a sua separação estatal das colectividades nacionais estrangeiras, entende-se a formação de um Estado nacional independente.

Veremos mais adiante ainda outras razões pelas quais seria errado entender por direito à autodeterminação tudo o que não seja o direito a existência estatal separada. Mas agora devemos deter-nos a analisar como Rosa Luxemburg tentou desfazer-se da inevitável conclusão sobre as profundas bases económicas das aspirações a um Estado nacional.

Rosa Luxemburg conhece perfeitamente a brochura de Kautsky Nacionalidade e Internacionalidade (suplemento da Neue Zeit, n.° 1, 1907-1908, tradução russa na revista Naútchnaia Misl, Riga, 1908). Sabe que Kautsky, após analisar pormenorizadamente no § 4 desta brochura a questão do Estado nacional, chegou à conclusão de que Otto Bauer «subestima a força da aspiração à formação do Estado nacional» (p. 23 da brochura citada). Rosa Luxemburg cita ela própria as palavras de Kautsky: «O Estado nacional é a forma de Estado que melhor corresponde às condições modernas» (isto é, capitalistas, civilizadas, economicamente progressivas, diferentemente das medievais, pré-capitalistas, etc), «é a forma na qual ele poderá cumprir com maior facilidade as suas tarefas» (isto é, as tarefas do mais livre, amplo e rápido desenvolvimento do capitalismo). A isto deve-se acrescentar a observação final ainda mais precisa de Kautsky, de que os Estados de composição nacional heterogénea (os chamados Estados de nacionalidades diferentemente dos Estados nacionais) são «sempre Estados cuja conformação interna, por estas ou aquelas razões, permaneceu anormal ou pouco desenvolvida» (atrasada). É evidente que Kautsky fala de anormalidade exclusivamente no sentido da não correspondência àquilo que é mais adequado às exigências do capitalismo em desenvolvimento.

Pergunta-se agora qual foi a atitude de Rosa Luxemburg para com estas conclusões histórico-económicas de Kautsky? São justas ou erradas? Tem razão Kautsky com a sua teoria histórico-económica, ou Bauer, cuja teoria é, na sua base, psicológica? Em que consiste a relação do indubitável «oportunismo nacional» de Bauer, da sua defesa da autonomia cultural-nacional, das suas paixões nacionalistas («a acentuação aqui e ali do elemento nacional», como se expressou Kautsky), do seu «enorme exagero do elemento nacional e completo esquecimento do elemento internacional» (Kautsky), com a sua subestimação da força da tendência para a formação do Estado nacional?

Rosa Luxemburg nem sequer colocou esta questão. Não notou esta relação. Não meditou sobre o conjunto das concepções teóricas de Bauer. Não contrapôs sequer a teoria histórico-económica à psicológica na questão nacional. Limitou-se às seguintes observações contra Kautsky.

«-.. Este 'o melhor' Estado nacional é apenas uma abstracção, susceptível de fácil desenvolvimento teórico e defesa teórica, mas que não corresponde à realidade» (Przeglad Socjaldemokratyczny[N313], 1908, n.° 6, p. 499).
E para confirmar esta decidida declaração seguem-se raciocínios acerca de que o desenvolvimento das grandes potências capitalistas e o imperialismo tornam ilusório o «direito à autodeterminação» dos povos pequenos. «Poder-se-á falar seriamente — exclama Rosa Luxemburg — sobre a autodeterminação dos formalmente independentes montenegrinos, búlgaros, romenos, sérvios, gregos, em parte até mesmo dos suíços, cuja própria independência é produto da luta política e do jogo diplomático do 'concerto europeu'?»! (p. 500). Aquele que melhor corresponde às condições «não é o Estado nacional, como supõe Kautsky, mas o Estado de rapina». São citadas algumas dezenas de cifras sobre a grandeza das colónias pertencentes à Inglaterra, França, etc.

Ao ler semelhantes raciocínios, não podemos deixar de nos admirar com a capacidade da autora para não compreender o que é o quê! Ensinar a Kautsky com ares de importância que os pequenos Estados dependem economicamente dos grandes; que entre os Estados burgueses se trava uma luta pelo esmagamento rapace de outras nações: que existem o imperialismo e as colónias — isto é fazer-se de inteligente de modo ridículo e infantil, pois tudo isto não tem a mínima relação com o assunto. Não só os pequenos Estados, mas também a Rússia, por exemplo, dependem economicamente por completo do poder do capital financeiro imperialista dos países burgueses «ricos». Não só os miniaturais Estados balcânicos mas também a América era no século XIX, economicamente, colónia da Europa, como já Marx mostrara em O Capital. Kautsky sabe perfeitamente tudo isto, naturalmente, como qualquer marxista, mas isto não tem absolutamente nada a ver com a questão dos movimentos nacionais e do Estado nacional.

Rosa Luxemburg substituiu a questão da autodeterminação política das nações na sociedade burguesa, da sua independência estatal, pela questão da sua autonomia e independência económicas. Isto é tão inteligente como se uma pessoa, ao debater a reivindicação programática da supremacia do parlamento, isto é, da assembleia dos representantes do povo, num Estado burguês, se pusesse a expor a sua convicção plenamente justa da supremacia do grande capital sob qualquer regime num país burguês.

Não há dúvidas de que a maior parte da Ásia, a parte do mundo mais povoada, se encontra em situação ou de colónias das «grandes potências» ou de Estados extremamente dependentes e oprimidos nacionalmente. Mas será que esta circunstância por todos conhecida abala de algum modo o facto indiscutível de que na própria Ásia as condições para o desenvolvimento mais completo da produção mercantil, para o crescimento mais livre, amplo e rápido do capitalismo foram criadas apenas no Japão, isto é, apenas num Estado nacional independente? Este Estado é burguês, e por isso ele próprio começou a oprimir outras nações e a escravizar colónias; não sabemos se a Ásia terá tempo, antes da queda do capitalismo, de se constituir no sistema de Estados nacionais independentes, à semelhança da Europa. Mas permanece indiscutível que o capitalismo, tendo despertado a Ásia, provocou também ali por toda a parte movimentos nacionais, que a tendência destes movimentos é a formação de Estados nacionais na Ásia, que as melhores condições para o desenvolvimento do capitalismo são asseguradas precisamente por tais Estados. O exemplo da Ásia fala a favor de Kautsky, contra Rosa Luxemburg.

O exemplo dos Estados balcânicos também fala contra ela, pois qualquer pessoa vê agora que as melhores condições para o desenvolvimento do capitalismo nos Balcãs são criadas exactamente na medida em que se criam Estados nacionais independentes nesta península.

Consequentemente, tanto o exemplo de toda a humanidade avançada civilizada como o exemplo dos Balcãs e o exemplo da Ásia demonstram, contra Rosa Luxemburg, a absoluta justeza da tese de Kautsky: o Estado nacional é a regra e a «norma» do capitalismo, o Estado de composição nacional heterogénea é atraso ou excepção. Do ponto de vista das relações nacionais, as melhores condições para o desenvolvimento do capitalismo são proporcionadas, indubitavelmente, pelo Estado nacional. Isto não quer dizer naturalmente que tal Estado, na base das relações burguesas, possa excluir a exploração e a opressão das nações. Isto significa apenas que os marxistas não podem perder de vista os poderosos factores económicos, que geram a aspiração à formação de Estados nacionais. Isto significa que a «autodeterminação das nações» no programa dos marxistas não pode ter, do ponto de vista histórico-económico, outro significado que não seja a autodeterminação política, a independência estatal, a formação do Estado nacional.

Das condições necessárias do ponto de vista marxista, isto é, proletário de classe, para apoiar a reivindicação democrático-burguesa de "Estado nacional", disso falaremos pormenorizadamente mais adiante. Agora limitamo-nos a definir o conceito de autodeterminação e devemos apenas assinalar que Rosa Luxemburg conhece o conteúdo deste conceito (Estado nacional) ao passo que os seus partidários oportunistas, os Líbman, os Semkóvski, os Iurkévitch, nem sequer sabem isso!


Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação
V. I. Lénine


Comentários*

É importante ressaltar que, para Lenin, a autodeterminação das naçõesdeve ser uma das reivindicações do programa do partido revolucionário, que assim como tantas outras, só pode ser completamente mplementada quando for vitoriosa a revolução socialista. Observamos que não existe nenhuma ilusão por parte deste marxista russo de que é  possível uma completa e plena autodeterminação dos povos e/ou nações enquanto existir o modo de produção capitalista.

Quanto mais se desenvolve e se expande pelo mundo, mais o capitalismo aumenta as desigualdades entre as nações, mais o mundo é dominado por um punhado de grandes potências que controlam a ciência, a tecnologia, a indústria, os bancos etc.

Lenin escreve sobre a questão nacional numa época determinada, a época do imperialismo, da guerra entre as grandes potências por matéria sprimas, por novos mercados, por territórios estratégicos para seus
projetos expansionistas e militaristas, uma época marcada por gigantescas contradições, onde as nações oprimidas começam a ganhar maisimportância nos conflitos regionais e internacionais.

Devido ao tipo de  submissão e subordinação dessas nações aos países imperialistas, qualquer mudança radical em sua estrutura econômica, política ou social pode interferir imediatamente nos lucros e/ou interesses das empresas e dos capitais estrangeiros que atuam na nação oprimida. Isso faz com que as  lutas pela independência e pela libertação nacional  possam adquirir um caráter antiimperialista, portanto, anticapitalista.







*Marcelo Buzetto
 Doutorando em Ciências Sociais pela PUC/SP, membro do NEILS, professor de Sociologia no Colégio da Fundação Santo André