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quinta-feira, 6 de junho de 2013

Aborto e Bobbio - A questão dos direitos conflitantes


Quando buscamos argumentos laicos contra a descriminalização do aborto, sem dúvida temos de beber na fonte de Norberto Bobbio, filósofo, cientista político, historiador e senador vitalício da Itália. Bobbio, que se considerava um socialista liberal, é uma das maiores referências sobre política e direito, especialmente sobre seus aspectos históricos. Embora não se declarasse ateu, Bobbio é também uma das maiores referências sobre o pensamento laico. A questão dos direitos conflitantes foi demonstrada por Bobbio em uma entrevista concedida ao Coriere della Sera, em 1981.

A questão do aborto, segundo Bobbio, envolve três direitos: o direito do nascituro, o direito da mãe  e o direito da sociedade. O primeiro consiste, basicamente, do direito de nascer, o direito à vida; o segundo refere-se ao direito da mãe de não se sacrificar a dar a luz e criar um filho indesejado; o terceiro, por sua vez, é o direito da sociedade ao controle de natalidade. O conflito está, basicamente, entre o primeiro e os outros dois direitos, pois a solução do aborto, ao garantir o direito da mãe e o da sociedade, o faz em detrimento do direito do nascituro.

Para Bobbio, sempre que há direitos conflitantes, a norma jurídica deve, por mais doloroso que isso seja, escolher. No entanto, essa escolha não é livre. Conforme a própria divisão histórica que Bobbio faz da evolução do direito, o direito à vida é um direito fundamental da primeira geração dos direitos humanos.  É um direito intransigível, sem o qual, qualquer outro direito perde o fundamento. Já o direito da mãe e o direito da sociedade são direitos derivados, e não devem prevalecer sobre um direito fundamental.

Outro importante ponto é que o aborto não é necessário para garantir o direito da mãe e o direito da sociedade. A concepção pode ser evitada por diversos métodos.  No entanto, caso esta já tenha ocorrido, o direito do nascituro só será satisfeito se lhe for permitido nascer.  Segundo Bobbio, as pessoas, em uma sociedade que se pretenda civilizada, devem ter o dever de reconhecer as consequências de suas ações. Um ato sexual consciente implica deveres e obrigações que devem ser assumidos. Deixar para resolver o problema após a concepção, quando as consequências que poderiam ser evitadas não as foram, é uma atitude de fuga, uma solução imatura. Portanto, o aborto não deve ser a solução para satisfazer os direitos da mãe e da sociedade.

Bobbio também contesta os argumentos de que a legalização do aborto teria como finalidade reduzir os riscos inerentes à difusão do aborto clandestino e de que o direito “soberano” sobre a mente e o corpo  seria imperativo o suficiente para garantir às mulheres o direito ao aborto.  Segundo o filósofo, o primeiro argumento é jurídica e moralmente fraco. Seria como querer justificar a legalização do furto de automóveis pelo simples fato de este crime estar difundido e fora do controle do Estado.  Sobre o argumento do direito ao próprio corpo, muito utilizado pelas feministas, Bobbio é enfático ao dizer que no caso do aborto, é uma aberração que ele seja invocado. Há um “outro” no corpo da mulher.  Não se trata, pois, de direito ao próprio corpo, mas de dispor da vida de outro.

Por fim, o filósofo, conhecido por seu espírito estritamente laico, ao ser indagado sobre a celeuma que sua posição contrária ao aborto poderia causar no mundo laico, respondeu estranhar haver surpresa no fato de um laico considerar o “não matarás” um imperativo categórico. Bobbio se disse “estupefato que os laicos deixem aos crentes o privilégio e a honra de afirmar que não se deve matar”.


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