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quarta-feira, 17 de julho de 2013

A androginia no regime norte coreano

por Aych, do The-Spearhead.com
Ultimamente a enxurrada de impropérios belicosos vindo da Coréia do Norte está dominando a mídia durante as últimas semanas. Muitos de vocês já devem ter notado isso. Esta onda de belicosidade me fez reler um excelente livro sobre a ideologia e a propaganda norte coreana. O livro se chama ‘The Cleanest Race’ (NT: algo como “A raça mais limpa/ mais pura”), escrito por B. R. Meyers.
Este livro faz um exame sistemático e meticuloso dos temas principais que são abordados pela máquina de propaganda norte coreana. O leitor é presenteado com observações muito úteis que facilitam a entender porque os norte coreanos abusam de uma linguagem que nos parece ser tão bizarra e exagerada para ser levada a sério. (Há de se ter em mente que a propaganda interna da Coréia do Norte frequentemente se difere das notícias liberadas pela agência oficial norte coreana KCNA, que lida com a divulgação das notícias internas para o resto do mundo e que são replicadas pelas demais agências internacionais de notícia.)
O regime norte coreano, sem dúvida alguma o regime mais cruel e vil que temos atualmente, é com certeza o pior exemplo do patriarcado levado a seus extremos. Sem contar que os líderes da dinastia Kim são tidos como os caras mais machos, peitos de aço, briguentos e cheios de testosterona do mundo, certo?
Não é bem assim.
Entre outros assuntos, o autor do livro discute o uso do gênero sexual nos retratos dos líderes norte coreanos.  Um observador estrangeiro pode considerar que, já que a cultura coreana é arraigada em valores neo confucionistas, Kim Il Sung e Kim Jong Il são (ou eram) perfeitamente retratados como sendo os patriarcas supremos em que a nação deveria se espelhar. Esta presunção, entretanto,  está longe da realidade quando se analisa a mídia norte coreana com mais cuidado.
Contrário ao senso comum, vemos que a máquina de propaganda coreana vive violando os princípios mais fundamentais do confucionismo, mostrando sempre as qualidades “femininas” da dinastia Kim:

Mesmo quando Kim é chamado como “Líder Pai” (aboji suryong)… não tem nada de confucionista ou patriarcal em relação a ele… Kim é chamado mais comumente de “Líder Parental” (oboi suryong), embora se destacando mais seu lado maternal do que o paternal. O próprio Kim Jong Il dizia que a união de suas qualidades paternais e maternais era sua chave para o sucesso.

Isto é ressaltado pelas várias imagens de Kim Il Sung e Kim Jong Il na qual eles são mostrados como que segurando soldados e trabalhadores felizes perto de seu peito. Os dois Kims (o livro aborda muito pouco o atual líder Kim Jong Un) são, de fato, uma fusão de qualidades paternais E maternais:

Artistas e escritores apenas não ressaltam os aspectos femininos da aparência de Kim Il Sung – a pele suave e pálida, o sorriso com covinhas no rosto, o seio expansivo – mas também é mostrado ele segurando crianças pequenas ou deixando elas subirem em cima dele. Em fotografias vemos ele sorrindo enquanto colegiais puxam ansiosamente seus braços e mãos. Mesmo nas imagens que abordam seus anos como guerrilheiro tais qualidades são sempre ressaltadas. Em uma das ilustrações ele é visto colocando crianças na cama…

Desta forma, o Líder é tanto a mãe que cuida do povo quanto o pai que luta contra as ameaças externas.
Enquanto se processa tal raciocínio, temos que ter em mente também que a ideologia dos  japoneses durante a 2ª Guerra (ideologia essa que serviu de base para o culto de personalidade norte coreana) frequentemente retratava o Imperador Hirohito como uma figura andrógina, ao invés de patriarcal. (Uma parte da cerimônia secreta de entronização do Japão Imperial envolvia o Imperador dando a luz a si mesmo de forma simbólica.)
O livro continua discutindo sobre a figura não muito patriarcal dos Kims:

… a imagem peculiarmente andrógina ou mesmo hermafrodita de Kim Il Sung aparentemente gerou uma atração emocional bem maior comparado com as figuras inequivocamente paternais que líderes da Europa Oriental conseguiam ter. Eu não sou qualificado a analisar um culto (ou qualquer coisa) de um ponto de vista psicológico, mas algo deve ser dito para conter o ceticismo do leitor no que concerne  a sanidade das pessoas que cultuariam uma figura que teria qualidades tanto paternais e maternais. Sigmund Freud escreveu que o desejo de cada criança era ter uma “mãe fálica”, uma onipotente figura que combinaria os dois sexos em um…

Então ao invés de termos um bando de machões patriotas fora de controle, a dinastia Kim é na verdade um regime que tenta unir os elementos paternais E maternais numa única figura central.
Isto talvez pode nos ajudar a entender do ponto de vista psicológico o porquê da resistência norte coreana criada nas mentes daqueles infelizes o suficiente para ter nascido ali: se rebelar contra os Kims tiraria da nação ambos os pais. Esta é uma perda que, vista sob o ponto de vista psicológico, poderia ser fatal para a nação.
Mas a Coréia do Norte é um patriarcado puro e simples? Bem, se a análise da sua propaganda interna for um indicativo confiável, o regime ali criado é uma criatura muito diferente disto.