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quinta-feira, 19 de junho de 2014

Penso, Logo Existo - A Prova Ontológica em Descartes

Na quarta parte do Discurso Descartes realiza a prova ontológica, ou seja, a prova da existência do ser e também a prova da existência de Deus.

Aplicando o método a si mesmo, Descartes confronta o próprio raciocínio. Ele argumenta que, embora a mente possa tanto raciocinar sobre coisas reais quanto sobre coisas de sonhos, enquanto acordado ou dormindo respectivamente, ele não pode, ao refletir sobre a veracidade desses pensamentos, negar que esteja pensando; e como sujeito pensante, conclui que é seguro supor a própria existência:

"Mais aussitôt après je pris garde que, pendant que je voulois ainsi penser que tout étoit faux, il falloit nécessairement que moi qui le pensois fusse quelque chose; et remarquant que cette vérité, je pense, donc je suit, étoit si ferme et si assurée, que (…) je jugeai que je pouvois la recevoir sans scrupule pour le premier principe de la philosophie que je cherchois." (Discurso, parte 4)
("Mas imediatamente que eu observava isso, que os pensamentos de sonho se confundem com a realidade, ainda assim eu desejava pensar que tudo era falso, era absolutamente necessário que eu, quem pensa, seja algo; e enquanto eu observava que isso é verdadeiro, eu penso, logo existo, era tão certo e tão evidente que (…) eu aceitei este como primeiro princípio de filosofia, que eu estava refletindo.")
Consoante, qualquer esforço para duvidar de sua própria existência era uma ocorrência de pensamento, e essa ocorrência exigia um sujeito pensante, ainda que mínimo. Eis portanto a prova da existência de mim mesmo.

É preciso notar ainda que não é qualquer ato do eu que determina a existência. Um andar não provaria essa existência, uma vez que andar pode trazer a dúvida da existência das próprias pernas; somente um pensamento (seja ela uma dúvida, um desejo, uma afirmação, uma sensação ou similares) é indubitável e portanto adequa-se ao Método. Somente o pensamento, quando percebido, garante a existência do eu.

A Existência de Deus

A existência de Deus é "provada" porque, existindo a razão e o pensamento, é preciso haver um fiador dessa razão e desse pensamento, algo que lhe dê coerência. Pela razão, existe Deus - como se Deus não fosse precisar de um fiador para si próprio. Trata-se da retomada do pensamento de Aristóteles, do noesis noeseos (pensamento do pensamento), ou o "motor imóvel". Além disso, Descartes demonstra que as idéias de perfeito, infinito e similares, são tão transcendentes a ele, ser imperfeito e finito, que é preciso haver algo de onde essa idéia venha, que não o próprio ser pensante:

"Ensuite de quoi, faisant réflexion sur ce que je doutois, et que par conséquent mon être n'étoit pas tout parfait, car je voyois clairement que c'étoit une plus grande perfection de connoître, que de douter, je m'avisai de chercher d'où j'avois appris à penser à quelque chose de plus parfait que je n'étois; et je connus évidemment que ce devoit être de quelque nature qui fût en effet plus parfaite. (…) C'est à dire, pour m'expliquer en un mot, qui fût Dieu." (Discurso, parte 4)
("A seguir, fazendo a reflexão sobre o fato de que eu duvido, e que por conseguinte meu ser não era absolutamente perfeito, porque eu via claramente que era perfeição maior conhecer do que duvidar, eu percebi que dessa reflexão concluía a existência de algo mais perfeito que eu era; e eu claramente percebi que essa percepção vinha de uma natureza que era de fato mais perfeita [que a minha]. (…) Para ser dito em uma palavra, que era Deus.")

A existência de Deus é "provada" porque, existindo a razão e o pensamento, é preciso haver um fiador dessa razão e desse pensamento, algo que lhe dê coerência. Pela razão, existe Deus - como se Deus não fosse precisar de um fiador para si próprio. Trata-se da retomada do pensamento de Aristóteles, do noesis noeseos (pensamento do pensamento), ou o "motor imóvel". Além disso, Descartes demonstra que as idéias de perfeito, infinito e similares, são tão transcendentes a ele, ser imperfeito e finito, que é preciso haver algo de onde essa idéia venha, que não o próprio ser pensante:

"Ensuite de quoi, faisant réflexion sur ce que je doutois, et que par conséquent mon être n'étoit pas tout parfait, car je voyois clairement que c'étoit une plus grande perfection de connoître, que de douter, je m'avisai de chercher d'où j'avois appris à penser à quelque chose de plus parfait que je n'étois; et je connus évidemment que ce devoit être de quelque nature qui fût en effet plus parfaite. (…) C'est à dire, pour m'expliquer en un mot, qui fût Dieu." (Discurso, parte 4)
("A seguir, fazendo a reflexão sobre o fato de que eu duvido, e que por conseguinte meu ser não era absolutamente perfeito, porque eu via claramente que era perfeição maior conhecer do que duvidar, eu percebi que dessa reflexão concluía a existência de algo mais perfeito que eu era; e eu claramente percebi que essa percepção vinha de uma natureza que era de fato mais perfeita [que a minha]. (…) Para ser dito em uma palavra, que era Deus.")

Outros dizem não tão plausivelmente, que a relação causa e efeito só pode ser quebrada por um ser perfeito, sobrenatural, portanto Deus, tornando o argumento logicamente perfeito, e ainda, de forma atualmente aceita como incorreta, que sua existência seria fortalecida por evidências naturais apontadas pela ciência, Relatividade Geral, Termodinamica, Lei da Causalidade, Teoria do BigBang ou evidências metafisicas apontadas pela razão.

A questão à luz da ciência moderna

De fato tem-se em vista da compreensão moderna que evidências naturais não corroboram existências de entidades sobrenaturais. Encaremos a questão à luz da razão. Visto ser a causalidade uma lei do nosso universo, qual seria o sentido da pergunta “qual a causa do nosso universo”?, ou equivalente, “qual a causa do Big Bang?” ? É certo que o simples fato de colocar-se tal pergunta como aceitável logicamente implica a validade de se importar do nosso universo para o que chamar-se-á aqui de “pré-universo” - onde encontra-se-ia a causa do nosso universo, a causa da singularidade do Big Bang - a validade da causalidade, deixando-se bem claro que cientificamente, do último, não sabe-se absolutamente nada acerca das leis que lá vigorariam uma vez admitida sua existência, podendo em princípio serem essas completamente distintas das que vigoram no nosso universo. Pois eis que surge a resposta teológica lacunar: Deus. Pois eis que vem a pergunta iminente: no pré-universo onde Deus existe como causa do nosso universo, e pelo qual por premissa vale a causalidade, qual a causa de Deus? A resposta obviamente não pode ser a de que Deus não tem causa, pois em um pré-universo onde a lei da causalidade não se aplica, não haveria certamente a necessidade de causa para o nosso próprio universo, o que invalidaria a questão sobre a qual se desenrola o argumento. Em caso contrário, permanece a pergunta "qual a causa de Deus?", e esse não configura-se como a derradeira resposta à questão.

A eternidade de Deus ou atemporalidade do "pré-universo" poderia e já foi cogitada diversas vezes como resposta, contudo também não constitui uma resposta válida, visto que não se conhece em verdade o destino derradeiro do universo. Soluções completamente naturalistas são nesse contexto, embora certamente ainda não científicas, tão plausíveis quanto à associada à transcendentalidade, onipotência e eternidade de Deus: uma possibilidade é a de que o universo oscile entre Big Bangs e Big Crunchs, expandindo-se de um ponto singular a um volume máximo e posteriormente contraindo-se, sob a ação da gravidade, até atingir-se novamente a singularidade, que, por ser singular, isolaria da causalidade os diversos períodos do ciclo eterno, sem contudo hora alguma violá-la. Nesse cenário é óbvia a não necessidade de entes sobrenaturais à explicação, e a causa da existência do universo seria o próprio universo. A afirmação de que o universo provém do “nada” mostrar-se assim naturalmente descabida, ao menos frente a tal contexto, portanto.

De certo é pois que a existência do Universo não corrobora a existência de um projetista onipotente para o mesmo, sendo essa a falha central da proposta moderna conhecida por “desenho inteligente” e de sua “complexidade irredutível”. Da mesma forma que não é viável via lógica demonstrar-se a inexistência dos deuses ou entes transcendentais valendo-se para tal de fatos naturais atrelados ao nosso universo, qualquer tentativa de se usar os mesmos fatos para corroborar a existência de quaisquer entidades transcendentais onipotentes não passa de mero imbróglio tautológico. A definição de Deus conforme proferida pelos teístas faz-se por declaração não testável frente aos fatos naturais presentes em nosso universo, e é por tal que Deus não pertence ao escopo da ciência.

Se outrora a contradiziam, os teólogos de hoje alegam que a ordem e a inexorabilidade das leis naturais do universo são evidências para a existência de Deus. Contudo não percebem que justamente a existência de tais leis universais inexoráveis são a mais pura evidências que implicam a não necessidade da existência de Deus ou deuses como causa primordial. É certo que essas contudo também não negam a existência desse(s).