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domingo, 28 de dezembro de 2014

A Escravidão em Aristóteles e em São Tomás de Aquino


Nesse ponto, talvez, alguém haveria de questionar-se: Haveria uma possível contradição entre a exaltação da pessoa, feita por Santo Tomás e o fato deste reconhecer a legitimidade da escravidão? Poderia-se, inclusive, concluir pela similaridade à posição defendida por Aristóteles, ainda mais porque ao abordar o tema, na "Secunda Secundae", Q.58, art. 4, o Santo Doutor cita na menos que sete vezes o célebre filósofo grego. No entanto, se tal fato vem confirmar a filiação aristotélica do Doctor Angelicus, o seu alcance não é tão abrangente quanto se possa imaginar e, inobstante tantas referências ao filósofo, o pensamento tomista acerca do assunto, em pontos essenciais, é bem diverso.

Senão vejamos. Em A política, Aristóteles entende o escravo como localizado num nível subumano. Entendia o filósofo:

"Há na espécie humana indivíduos tão inferiores a outros - dizia o filósofo - como o corpo o é em relação à alma, ou a fera ao homem; tais indivíduos são destinados, por natureza, à escravidão" e a sua utilidade "é mais ou menos a mesma dos animais domésticos". ( v. A política, Liv. I, Cap. I, §§ 7, 13 e 14)

A opinião de Santo Tomás, no entanto, é visceralmente contrária a essa. Com efeito, sustentava que entre as almas dos homens haveriam graus diferentes de perfeição, as quais dariam lugar às desigualdades evidentes que haviam entre os indivíduos. Assim, seria perfeitamente natural que os superiores governassem e dirigissem os inferiores e que os chamados débeis e estúpidos fossem regidos pelos fortes e prudentes. Dessa forma, como se pode perfeitamente notar, o escravo era, aqui, considerado pessoa humana, e como tal, sujeito de direitos que lhe são inalienáveis:

"O filho, como tal, é algo do pai; e semelhantemente, o escravo, como tal, é algo do senhor. Um e outro, porém, considerados como indivíduos humanos, são algo por si mesmo subsistente e diverso dos outros. Por onde, enquanto que uns e outros são homens, há de certo modo, entre eles, relações de justiça."(versais nossos).

Assim, o reconhecimento da condição de pessoa humana ao escravo é o ponto mais importante nesse aspecto da doutrina tomista. Assim, a resposta à indagação inicial chega do fato de que a admissão da escravidão, a qual precisa ser analisada dentro da conjuntura sócio-cultural do seu tempo, embora não possa ser uma postura louvável, não contradiz, entretanto, a sua afirmação da dignidade da pessoa humana.