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domingo, 5 de abril de 2015

Emmanuel Mounier e o Personalismo

Emmanuel Mounier


Emmanuel Mounier (Grenoble, 12 de abril de 1905 — Châtenay-Malabry, 22 de março de 1950) foi um filósofo francês, fundador da revista Esprit e raiz do personalismo.

O personalismo foi posteriormente adoptado pela Democracia Cristã e influenciou fortemente o Papa João Paulo II e, consequentemente, muitos católicos."Na sua obra O Personalismo, Mounier apresenta-nos, em plena elaboração e em plena vida, uma filosofia que escapa a todas as sistematizações, exactamente porque assente na pessoa que é livre e sempre imprevisível" (João Bénard da Costa, no prefácio da obra em português).

Emmanuel Mounier nasceu em 1905 numa família de tradições cristãs de Grenoble.

Em 1932, está entre os intelectuais que criaram o movimento da revista Esprit, consagrando-se Mounier à animação intelectual e à direcção prática desta revista, cuja palavra de ordem era "ruptura com a ordem estabelecida". As reflexões de Emmanuel Mounier tiveram a pessoa no centro, constituindo um novo modo de pensar que se veio a designar por "personalismo".

Emmanuel Mounier foi uma voz muito activa contra o fascismo e o nazismo, atribuindo-lhes, além de uma mesma origem, um propósito comum: o fim da civilização cristã ocidental. Em resultado da sua reflexão filosófica, Mounier defendeu a ideia de uma nova civilização na qual os cristãos e os não crentes podessem cooperar.

Tomou posição contra as ligas fascistas em 1934, pela Frente popular em 1936, contra Munique em 1938, e pelos republicanos espanhóis em 1939. Em 1940, a revista Esprit surgiu em Lyon, na zona não ocupada pelos alemães, durante dez meses. O texto "Supplément aux mémoires d’un âne", foi censurado pelo regime de Vichy. Emmanuel Mounier foi preso durante alguns mesas por causa da sua participação no movimento da resistência. Viveu depois na clandestinidade até à libertação da França, após o que publicou, em 1946, o Traité du Caractère (Tratado do Carácter). Emmanuel Mounier morreu em 1950, continuando a revista Esprit o seu combate pelo personalismo.

Em Portugal, a influência do personalismo cristão de E. Mounier fez-se sentir em vários sectores políticos anti-salazaristas. Francisco Rolão Preto, por exemplo, no livro Justiça!, publicado em 1936, insurge-se contra a doutrina totalitária do Fascismo e do Salazarismo, inspirando-se directa e expressamente na obra de Emmanuel Mounier, Révolution personnaliste et communautaire (Revolução personalista e comunitária, 1935). Rolão Preto não virá a acompanhar Mounier no apoio que este manifestou à República espanhola.

O Personalismo

A ideia central do pensamento personalista é a idéia de pessoa na sua inobjetibilidade (o homem não consiste num simples conjunto de matéria), inviolabilidade, liberdade, criatividade e responsabilidade, de pessoa com alma encarnada em um corpo, situada na história e constitutivamente comunitária.

Algumas normas personalistas de Mounier

  1. Uma posição de independência em relação aos partidos e agrupamentos constituídos, faz-se necessária para uma nova avaliação das diversas perspectivas (sem ser anárquico ou apolítico).
  2. A simples afirmação dos valores do espírito pode ser enganosa quando não acompanhada de rigorosa delimitação da atividade e dos seus meios.
  3. A tendência a confusão é o primeiro inimigo de um pensamento de ampla perspectiva. Portanto toda questão deve ser bem estudada já que há uma estreita relação entre o espiritual e o material.
  4. Para a investigação temos que nos libertar de qualquer priori doutrinário e estejamos pronto para tudo, inclusive a mudar de direção para manter-se fiel a realidade e ao próprio espírito.
  5. Ser revolucionário não é o remédio já que não significa a revisão dos valores, das estruturas ou das classes dirigentes.

Trechos selecionados do texto "A PRÁXIS FILOSÓFICANO PENSAMENTO DE EMMANUEL MOUNIER EM TEMPOSDE GLOBALIZAÇÃO" de Claudemiro Godoy do Nascimento

A ideia central no personalismo se baseia no modo pessoal de existir sendo a forma primordial da existência humana, pois esta busca seu crescimento na experiência de vida pessoal. O apelo pessoal como testemunho para o outro nasce da simplicidade dos mais humildes. A existência do homem deve ser conquistada para uma busca concreta de libertação, que não se dá de repente, mas é um processo de transformação da própria consciência. A libertação não se dará apenas e unicamente pela consciência do homem, mas também, no esforço do homem como pessoa em “humanizar a humanidade” humanizando-se (MOUNIER,1976, p. 21), ou seja, na sua relação com os outros, por meio da comunidade.É exatamente por isso que Mounier aponta Platão como sendo um teórico do comunismo, ao “tentar reduzir a alma individual no nível duma participação na natureza e duma participação na cidade” (MOUNIER, 1976, p. 22). Ao considerar a história da filosofia, percebe-se que os gregos, desde Tales de Mileto até Plotino, afirmaram a dignidade do ser humano como processo de formação (Paidéia) do cidadão. O humanismo grego tem o seu ponto culminante na frase de Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo”, caracterizada por Mounier como a grande revolução personalista na idade clássica da filosofia grega. O cristianismo é o “arauto duma noção decisiva da pessoa”, segundo Mounier. Para os gregos, o homem é um ser social, como disse Aristóteles no livro I da Política. Entretanto, os cristãos rompem e assimilam a singularidade desse ser social, ou seja, o homem é um ser social com suas particularidades pessoais. Para os cristãos, o próprio Deus se fez homem e veio fazer morada com a humanidade (Jo, 1,14), tornando-se pessoa encarnada na História e propondo que cada homem venha participar dessa divindade pessoal. Deus dá a liberdade de comungar com ele nesse ser pessoa. O homem, neste sentido,se faz pessoa no amadurecer a si para atingir o amadurecimento da humanidade. A concepção da Santíssima Trindade traz em si a própria negação da solidão. É interessante destacar que o dogma da Santíssima Trindade talvez seja o mais importante da Igreja Católica, desde a origem do Cristianismo, pois nos remete a uma concepção comunitária da vida eclesial. O mistério de Três Pessoas diferentes comungando o mesmo ideal é o maior exemplo de comunidade existente na história coletiva do homem (Cf. BOFF, 1999).E não há dúvida de que justamente a história da teologia trinitária deva constituir, a esse respeito, um lugar obrigatório que mereça atenção, evidenciando a correlação entre o homem, Deus e o mundo. O homem, pessoa humana que se faz na História, é um ser em si e para si, ou seja, é fermento que se constrói na história individual e coletiva da humanidade.

Dois ramos diferentes se formam no século XIX contra as forças modernistas da sociedade burguesa e espiritualista da época. A primeira, com Kierkegaard, chama o homem a ter uma consciência de sua subjetividade e liberdade, e a segunda, com Marx, denuncia as mistificações das estruturas sociais (MOUNIER, 1967).
Aqui se percebe o extremismo histórico das separações e dicotomias, pois, de um lado, temos o individualismo e, de outro, o coletivismo. A tentativa de Mounier é fazer com que as idéias de Marx e Kierkegaard ultrapassem as divergências para atingir a unidade. Daí o porquê de se estabelecer um conceito filosófico denominado personalismo. O próprio Mounier considera que o problema da civilização está no fato de se fazer desta dicotomia uma geração com o pensamento ideológico da burguesia capitalista, que irá usar o individualismo para possuir sua autonomia. Na verdade, o capitalismo não sobrevive se não existir o individualismo; um pressupõe o outro.

No século XX, duas correntes filosóficas irão se manifestar como principais: o ‘existencialismo’, que tenta solucionar os problemas personalistas como liberdade e angústia, e o ‘marxismo’, que tenta propor a desmistificação do idealismo em relação ao homem. No personalismo, o homem tem sua particularidade, mas sempre em comum com o outro, pois é no seu interior e faz-se no social pelo diálogo.

O HOMEM COMO EXISTÊNCIA INCORPORADA

Desde o surgimento da filosofia na Grécia e, principalmente, com a cristianização do pensamento platônico, realizada por Santo Agostinho, houve uma grande divisão espiritualista na civilização ocidental. Essa divisão se dá entre o mundo e o homem. O mundo pode ser entendido como matéria e,a partir de Descartes, é identificado como racionalista. O homem é espírito na concepção defendida pela escolástica na Idade Média. Com o personalismo tal esquema dicotômico é desfeito, pois a proposta é exatamente unir o diferente apresentado pelas particularidades subjetivas e objetivas donde surgirá o homem novo, respeitado como um todo, não mais fragmentado.

O próprio Marx escreveu em sua obra intitulada Economia política e filosófica que “o homem é um ser natural, mas um ser natural humano”(MOUNIER, 1976, p. 43). A singularidade do homem se dá por meio da transformação que acontece na sua própria natureza, sendo o único capaz do ato de amar, abrindo-se ao outro. A natureza, neste sentido, já é predeterminada. Pode-se dar o exemplo a partir dos animais que agem conforme a situação que lhes é imposta. Eles são sempre os mesmos, nunca mudam, ou seja, seus hábitos são naturais. São determinados a ser aquilo que a natureza lhes ditar. O homem é diferente, age conforme o meio (cultural, social,político, econômico, religioso...), a situação do momento histórico que seu pensar lhe dá e fornece. O destino do homem é buscar um crescimento do corpo e da alma nessa postura de integração dialética. Esse destino do homem jamais está pronto e determinado por uma ação construtiva no decorrer histórico. O homem, como criador de sua própria natureza, adquire duas tendências de uma pessoa criadora. A primeira tendência é para a despersonalização, e a segunda se dá num movimento de personalização. A tendência para a despersonalização faz do homem um ser caído em si mesmo, rotineiro, incapaz de movimentar-se por si próprio, pois não vive a vida social (mundo) e a espiritual (transcendente). Já o movimento para a personalização tem esse desafio de ser seguro e estar socialmente integrado em suas relações.

A realidade pessoal é movida pela vida do espírito, por paixões e sentimentos que enaltecem o materialismo. O materialismo tem razão quando faz com que o homem atinja sua humanidade, tirando-o da escravidão individual que a realidade e o sistema lhe impõem. É utopia pensar o homem como fruto de desejos e que somente a história e seus processos de transformações é que farão com que haja mudanças. Todavia, é o homem que faz a história acontecer. Neste sentido, não se pode classificar o personalismo como espiritualismo. Mounier salienta que o espiritualismo por si mesmo é impregnado de doutrinas moralizantes. O homem sabe-se, age pelo instinto segundo o conceito freudiano e pela economia na visão marxista. Isso remete afirmarmos a tese de que o ser humano está mergulhado nesse dualismo por meio das contradições históricas da humanidade.

Neste sentido, o personalismo opõe-se ao idealismo quando este reduz a matéria a todo o espírito humano, o que vem dissolver o sujeito pessoal num amontoado de relações geométricas e inteligíveis. Essa matéria (corpo) acontece como relações (MOUNIER, 1976). Na verdade, o mundo só pode ser explicado se for vivido de forma que a relação da consciência seja percebida. Conforme Mounier, existe uma relação dialética entre matéria e consciência, pois a matéria é o corpo em sua ação e a consciência é o pensamento (nous) que está ligado ao transcendente (alma) do homem. A partir dessa colocação, o desafio está lançado pelo personalismo cristão-existencial, em que a afirmação da pessoa torna-se “fator essencial da minha situação pessoal” (MOUNIER, 1976, p. 51). A existência corpórea (biológica) e subjetiva (pensamento) emana de uma mesma e única experiência humana, ou seja, não se pode dicotomizar as diferenças, mas aprender que o todo de cada uma o faz ser Homem, verdadeiramente humano. O ser que está ligado nessa realidade do ser pessoal como o amor ao corpo, poderá se entregar aos outros e a si próprio, lançando-se nessa busca constante de dignificar o mundo, humanizando a humanidade desumanizada. Por isso, é preciso servir, pois o serviço é o alicerce para a consciência. No serviço atinge-se o todo do mundo e do sujeito histórico que o cerca, e aqui reside um princípio fundamental do cristianismo.