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domingo, 16 de fevereiro de 2014

A primeira fase do terror Nazista na Polônia

Não haviam decorridos muitos dias, após o ataque contra a Polônia, já meu diário acumulavam anotações sobre o terror nazista no pais conquistado. Mais tarde se saberia que muitos outros diários estavam também repletos delas. Em 19 de outubro, Hassel relatou ter tido notícias sobre os "chocantes atos bestiais praticados pela S.S., especialmente contra os judeus". Pouco tempo depois, ele registrava um fato narrado por um proprietário de Posen.

A última coisa que tinha visto fora um chefe distrital do partido, bêbado, que ordenara que se abrissem as portas da cadeia; ele atirou contra cinco meretrizes e tentou violentar outras duas.

Em 18 de outubro, Halder anotou no diário os pontos principais de uma conversa que teve com o general Eduard Wagner, chefe do serviço de intendência do exército, que conferenciara com Hitler nesse dia, acerca do futuro da Polônia.
Esse futuro seria cruel.

Não pretendemos reconstruir a Polônia (,,,) Não para ser um Estado modelo segundo os padrões alemães. Deve-se impedir que a classe culta se estabeleça como classe dirigente. Deve-se manter um baixo padrão de vida. Escravos baratos (...)

Cumpre fazer uma desorganização total! O Reich dará ao general-governador os meios para executar esse plano diabólico.

O Reich os deu.
Pode-se fazer agora um breve relato do começo do terror nazista na Polônia, conforme revelam os documentos capturados aos alemães e as provas apresentadas nos vários julgamentos realizados em Nuremberg, Era apenas um precursor de atos atrozes e tenebrosos que os alemães eventualmente iriam infligir a todos os povos conquistados. Mas, do primeiro ao último, mais que em qualquer outro lugar, o pior foi na Polônia. Ali, o barbarismo nazista atingiu uma incrível profundidade.
Pouco antes de ser desfechado o ataque contra a Polônia, Hitler informou os generais, na conferência de Obersalzberg, em 22 de agosto, que iam acontecer coisas que "não seriam do agrado dos generais alemães" e preveniu-os de que "não deveriam interferir em tais questões e sim limitar-se a seus deveres militares". Sabia do que falava. Este autor logo ficou assoberbado, tanto em Berlim como na Polônia, de relatórios sobre massacres nazistas. O mesmo se dava com os generais. Em 10 de setembro, com a campanha da Polônia em livre curso, Halder anotou em seu diário um exemplo que logo se tornou conhecidíssimo em Berlim. Alguns brutamontes pertecentes ao regimento de artilharia das S.S., tendo feito cinquenta judeus trabalharem o dia todo no serviço de reparo de uma ponte, levaram-nos depois para uma sinagoga e, segundo as próprias palavras de Halder, "massacraram-nos". Até o general von Küchler, comandante do 3º Exército, que mais tarde iria ter suas apreensões, recusou-se a confirmar as leves sentenças que a corte marcial aplicou contra os criminosos - um ano de prisão -, alegando que o tribunal tnha sido muito benevolente. Mas o comandante-em-chefe do exército, Brauchitsch, revogou-as completamente, depois da intervenção de Himmler, com a escusa de que havia sido dada uma "anistia geral'.
Os generais alemães que se tinham na conta de sinceros cristãos, acharam a situação embaraçosa. Em 12 de setembro, houve uma conferência no vagão ferroviário do Füher, entre Keitel e o almirante Canaris, que protestou contra as atrocidades na Polônia. O lacaio-chefe do OKW respondeu rispidamente que "o Füher já tinha tomado decisão nesta questão". Se o exército "não quisesse participar dessas ocorrências, teria que aceitar as S.S. e a Gestapo como rivais" - isto é, teria que aceitar os comissários das S.S. em cada unidade militar "para levar efeito as execuções".

Assinalei ao general Keitel [escreveu Canaris no seu diário que foi exibido em Nuremberg] que se arquitetavam execuções e grande escala na Polônia, especialmente da nobreza e do clero. O mundo, eventualmente, haveria de responsabilizar a Wehrmacht por esses atos.

Execução pública do clero católico na Polônia
Execução pública do clero católico na Polônia


Himmler era demasiado esperto para deixar que os generais se esquivassem de parte da responsabilidade. Em 19 de setembro, Heydrich, seu principal assistente, fez uma visita ao Alto-Comando do exército e informou ao general Wagner dos planos das S.S. para "limar a casa, dos judeus (poloneses), da classe culta, do clero e da nobreza". A reação de Halder a tais planos foi registrada no seu diário depois da informação que lhe prestou Wagner:

O exército insiste em que a "limpeza da casa" seja protelada até que ele se tenha retirado e o país seja confiado à administração civil. Princípio de dezembro.

Esse breve registro do chefe do Estado-maior geral fornece a chave para compreender a moral dos generais alemães. Não se oporiam seriamente à "limpeza da casa" - isto é, à eliminação dos judeus poloneses, da classe culta, do clero e da nobreza. Pediriam simplesmente que fosse protelada até que tivessem saído da Polônia, podendo, assim, fugir à responsabilidade. E, naturalmente, tinha que se considerar a opinião pública do estrangeiro. Como Halder anotou em seu diário, no dia seguinte, após demorada conferência com Brauchitsch sobre a limpeza na Polônia:

Nada deve acontecer que proporcione aos países estrangeiros oportunidade de desencadear qualquer espécie de propaganda sobre atrocidades baseadas em tais acidentes. O clero católico! Impraticável neste ocasião.

No dia seguinte, 21 de setembro, Heydrich enviou ao Alto-Comando do exército uma cópia de seus planos iniciais para a "limpeza da casa". Como primeiro passo, os judeus deveriam ser transportados para as cidades (onde seria fácil cercá-los para seu extermínio). "A solução final", declarou ele, levaria algum tempo para ser atingida e devia ser mantida "estritamente secreta", mas nenhum general que tenha lido o memorando confidencial podia ter duvidado de que a "solução final" era o extermínio. Decorridos dois anos, quando chegou a ocasião de executá-la, tornou-se um dos nomes mais sinistros do código empregado pelos altos funcionários alemães a fim de ocultar um dos mais horríveis crimes praticados pelos nazistas durante a guerra.
O que restou da Polônia, depois que a Rússia se apoderou de seu quinhão a leste e a Alemanha anexou formalmente suas antigas províncias e alguma parte adicional do território a oeste, foi designado por um decreto do Füher, de 12 de outubro, como o governo geral da Polônia. Hans Frank foi nomeado governador-geral, sendo seu representante Seyss-Inquart, o quisling vienense. Frank era o exemplo típico do facínora intelectual nazista. Ingressara no partido em 1927, logo depois de se formar na faculdade de direito, e adquirira rapidamente renome como orientador jurídico do movimento. Sagaz, enérgico, muito lido não só em direito como em literatura geral, apreciador das artes, especialmente da música, tornou-se uma força na profissão de advogado depois que os nazistas assumiram o poder. Serviu primeiro como ministro da Justiça da Baviera, depois como ministro sem pasta do Reich e presidente da Academia de Direito e da Associação dos Advogados Alemães. Uma figura morena, elegante, pai de cinco filhos, sua inteligência e cultura contrabalançaram em parte seu primitivo fanatismo e até esse tempo fizeram-no um dos menos repulsivos elementos que cercavam Hitler.
Por trás desse verniz de civilizado, porém, estava o assassino frio. O diário de 42 volumes que manteve de sua vida e de sua obra, exibido em Nuremberg, foi um dos mais estarrecedores documentos a saírem do tenebroso mundo nazista, descrevendo o seu autor como um homem frio, eficiente, cruel e sedento de sangue.
Aparentemente, não omitiu nenhuma das suas concepções de bárbaro.
Os "poloneses", declarou ele no dia seguinte à sua posse no novo posto, "deverão ser escravos do Reich alemão". Certa vez, ao saber que Neurath, Protetor da Boêmia, colocara cartazes anunciando a execução de sete estudantes universitários tchecos, Frank exclamou para um jornalista nazista:

"Se eu desejasse ordenar que se deviam colocar cartazes para cada sete poloneses fuzilados, não haveria florestas suficientes na Polônia para a fabricação de papel para esses cartazes".

Himmler e Heydrich foram destacados por Hitler para liquidar os judeus. A tarefa de Frank, além de arrancar da Polônia alimentos, suprimentos e mão-de-obra forçada, consistia em liquidar a classe culta. Os nazistas tinham um belo nome de código para essa operação: Ação Extraordinária de Pacificação (Ausserordentliche Befriedungsaktion ou Ação A-B, nome pelo qual passou a ser conhecida). Levo algum tempo para Frank pô-la em plena atividade. Foi somente no fim da primavera seguinte, quando a grande ofensiva alemã no Ocidente afastou da Polônia a atenção do mundo, que ele começou a obter resultados. Em 30 de maio, conforme demonstra seu próprio diário, Frank vangloriou-se, numa animadora conversa com seus auxiliares policiais, dos grandes progressos feitos - a vida de "alguns milhares" de intelectuais poloneses destruídos ou prestes a serem.
"Peço-lhes, senhores", disse, "que tomem as medidas mais rigorosas possíveis para auxiliar-nos nessa tarefa". Acrescentou, confidencialmente, que eram "ordens do Füher". Hitler, declarou ele, exprimiu-as da seguinte maneira:

"Devem ser destruídos os homens que possam exercer liderança na Polônia. Aqueles que os acompanharem (...) devem, por sua vez, ser eliminados. Não há necessidade de sobrecarregar o Reich com isso (...) nenhuma necessidade de enviar esses elementos para os campos de concentração do Reich"

Seriam eliminados ali mesmo na Polônia.

Nessa conferência, conforme Frank anotou em seu diário, o chefe da polícia de segurança entregou-lhe um relatório sobre o progresso feito. Cerca de dois mil homens e centenas de mulheres, declarou, foram presos "no começo da Áção Extraordinária de Pacificação". A maioria já tinha sido "sentenciada sumariamente" - eufemismo nazista para liquidação. Uma segunda leva de intelectuais estava agora sendo reunida para receber a "sentença sumária". Ao todo, "cerca de 3.500 pessoas", as mais perigosas da classe culta polonesa, seriam assim eliminadas.
Franm não se esqueceu dos judeus, embora a Gestapo se encarregasse diretamente da tarefa de extermínio. Seu diário está repleto de ideias e realizações sobre o assunto. Registra, em 7 de outubro de 1940, o discurso que fez nesse dia a uma assembléia nazista, na Polônia, resumindo seu primeiro ano de trabalho.

Meus camaradas! (...) Eu não poderia eliminar todos os piolhos e judeus em apenas um ano. ["O público achou graça", anotou ele nesse ponto]. Mas, com o tempo e se me ajudarem, esse objetivo será atingido.

Duas semanas antes do Natal do ano seguinte, Frank encerrou uma reunião de gabinete, na Cracóvia, seu quartel-general, dizendo:

No que diz respeito aos judeus, quero dizer-lhes com toda a franqueza que eles precisam ser eliminados de um modo ou de outro (...) Senhores, devo pedir-lhes que se libertem de qualquer sentimento de piedade. Precisamos aniquilar os judeus.

Era difícil - admitiu - "fuzilar ou envenenar os 3,5 milhões de judeus no governo-geral, mas podemos tomar medidas que, de um modo qualquer, conduzam a seu aniquilamento". Foi uma predição exata.
A perseguição aos judeus e poloneses, arrancando-os das casas em que eles e suas famílias haviam morado durante gerações, começou assim que terminou a luta na polônia. Em 7 de outubro, dia que se seguiu a seu "discurso em favor da paz", no Reichtag, Hitler nomeou Himmler chefe de uma nova organização: Comissariado do Reich para o Fortalecimento da Nação Alemã, ou, abreviadamente R.K.F.D.V. Cumpria à organização deportar primeiro os poloneses e judeus das províncias polonesas anexadas à Alemanha, nelas colocando, em seu lugar, os alemães e Voksdeutsche, isto é, alemães de nacionalidade estrangeira que a eles afluíam, procedentes dos países bálticos ameaçados e de várias partes adjacentes da Polônia. Halder soube desse plano 15 dias antes e anotou em seu diário que "duas pessoas serão expulsas da Polônia para cada alemão que se mudasse para esses territórios".

Fotos de poloneses sendo expulsos de suas terras:

Poloneses Expulsos pelos Nazistas

Poloneses Expulsos pelos Nazistas

Poloneses Expulsos pelos Nazistas

Poloneses Expulsos pelos Nazistas

Poloneses Expulsos pelos Nazistas

Poloneses Expulsos pelos Nazistas


Em 9 de outubro, dois dias depois de assumir o último de seus postos, Himmler decretou que 550 mil dos 650 mil judeus que viviam nas províncias polonesas anexadas, juntamente com todos os poloneses não apropriados para assimilação, seriam deslocados para o território do governo geral, a leste do rio Vístula. Em um ano, 12 milhão de poloneses e 300 mil judeus foram deslocados para o leste. Mas somente 497 mil Volksdeutsche instalaram-se em suas terras. Foi uma proporção melhor que a citada por Halder: dos poloneses e um judeu expulsos para cada alemão que lá se instalava.

Expulsão dos Poloneses Documento
Documento usado no momento
das expulões
Foi um inverno extraordinariamente severo o de 1939-1940 - como bem se recorda o autor deste livro -, com pesada neve. O "novo povoamento", levado a efeito com a temperatura a zero e, muitas vezes, durante tempestades de neve, custou mais vidas de judeus e poloneses que as que se perderam diante dos pelotões de fuzilamento e das forças nazistas. Pode-se citar, com autoridade na matéria, o próprio Himmler. Dirigindo-se à Leibstandarte das S.S. no verão seguinte, após a queda da França, traçou uma comparação entre as deportações que seus homens estavam começando a proceder no Ocidente com o que havia realizado na parte leste.

(...) aconteceu na Polônia, a temperatura marcando quarenta graus abaixo de zero, onde tínhamos de evacuar milhares, dezenas de milhares, centenas de milhares; onde tínhamos de ser inflexíveis - devem ouvir isso, mas devem também esquecê-lo imediatamente - e fuzilar milhares de poloneses importantes (...) Senhores! É muito fácil, em muitos casos, entrar num combate com uma companhia do que eliminar uma população obstrucionista e de baixo nível cultural ou fazer execuções ou evacuar um povo ou expulsar mulheres a gritarem histericamente"

Já em 21 de fevereiro de 1940, o Oberfüher das S.S., Richard Glücks, chefe da Inspetoria dos Campos de concentração, procedendo a um reconhecimento nas imediações da Cracóvia, informara Himmler de que encontrara um "lugar apropriado" para o novo "campo de quarentena", em Auschwitz, uma cidadezinha abandonada e pantanosa de 12 mil habitantes, na qual estava situado, além de algumas fábricas, um antigo quartel da cavalaria austríaca, Fizeram-se, imediatamente, as obras necessárias e, em 14 de junho, Auschwitz foi oficialmente inaugurado como campo de concentração para os prisioneiros políticos poloneses, aos quais os alemães desejavam dispensar um tratamento especial e duro. Iria tornar-se, logo, um lugar ainda mais sinistro. Entrementes, os diretores da firma I.G. Farben, o grande truste de produtos químicos alemão, descobriram que Auschwitz era um local conveniente para instalação de uma nova fábrica de borracha e óleo de carvão sintético. Ali, não só a construção dos novos edifícios, mas, também, as operações da nova fábrica seriam beneficiadas com a mão-de-obra escrava barata.

Para superintender o novo campo e suprir a mão-de-obra escrava para a I.G. Farben, chegou, na primavera de 1940, a Auschwitz, um bando dos mais selecionados rufiões das S.S., entre eles Josef Kramer, que se tornaria mais tarde conhecido do público inglês como a Fera de Belsen, e Rudolf Franz Höss, um criminoso que cumprira cinco anos de pena numa prisão - passou a maior parte da vida adulta primeiro como convicto e, depois, como carcereiro - e que em 1946, à idade de 46 anos, iria vangloriar-se em Nuremberg de que havia supervisionado, em Auschwitz, o extermínio de 2,5 milhões de pessoas, sem contar meio milhão que deixaram "sucumbir de inanição".
Pois Auschwitz logo estaria destinada a tornar-se o mais célebre dos campos de extermínio - Vernichtungslager -, que cumpre distinguir dos campos de concentração, onde uns poucos ainda puderam sobreviver. Não deixa de ser significativo, para se compreender os alemães, até mesmo os mais respeitáveis, no governo de Hitler, que uma firma tão ilustre e internacionalmente conhecida como a I.G. Farben, cujo os diretores se distinguiam entre os principais homens de negócios da Alemanha, todos supostamente "tementes a Deus", deliberadamente escolhessem aquele campo de morte como local apropriado para operações lucrativas.

As fontes desse artigo podem ser encontradas no livro "Ascensão e queda do Terceiro Reich - O começo do fim 1939-1945" do historiador e jornalista William L. Shirer