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sábado, 23 de maio de 2015

O Cristianismo no Japão - Parte 3 : Perseguições e Resistência

Em 5 de fevereiro de 1597, vinte e seis Cristãos, após caminharem de Osaka a Nagasaki (cerca de 800 km), foram crucificados, mostrando na oportunidade a coragem e alegria na fé cristã, pregando e cantando até o fim.

Após a morte de Hideyoshi a paz reinou durante quinze anos. Os cristãos se multiplicavam e a Fé se manifestava em grandes frutos: 130 Jesuítas, alguns sacerdotes seculares, e cerca de 30 religiosos das ordens de S. Francisco, S. Domingos e Sto. Agostinho trabalhavam lado a lado.

Em 1609 e em 1613 chegaram os protestantes holandeses e ingleses inimigos dos Católicos portugueses e espanhóis. Em 1613 a perseguição recomeçou. Naquele ano o nobre de Sendai, Masamune Date, enviou Rokuemon Asakura como embaixador ao Papa Paulo V e ao Rei da Espanha, na companhia do franciscano Sotero.

No ano seguinte foi publicado o edito de destruição pelo novo Xogun do império, Ieyassu Tokugawa. Foi decretado que o catolicismo deveria ser abolido e o mesmo foi renovado pelo seu sucessor Hidetaka em 1616.

A conseqüência foi terrível. Em 1622 aconteceu o "grande martírio" de 42 Cristãos a 2 de setembro em Nagasaki, dos quais 27 decapitados e o restante queimados. No ano seguinte, sob Iemitsu, a perseguição se tornou mais furiosa e se estendeu por todo o império.

A crueldade e o refinamento das torturas deste período não têm paralelo nem mesmo na história dos primeiros tempos do Cristianismo. O número exato das vítimas é desconhecido. (Cerca de 280000 martírios entre 1614 e 1735, segundo Kiyoshi Inoue no seu livro "A História do Japão"). Na província de Arima, em 1637, 37000 Cristãos, pressionados ao extremo, se revoltaram e se fecharam na fortaleza de Shimabara, sob a liderança de um jovem de 16 anos chamado Tokisada Konishi, mais conhecido como Amakusa Shiro, e foram dizimados com a ajuda da artilharia holandesa no dia 28 de fevereiro, não sendo poupados nem um bebê de um ano de idade nem a sua mãe...

Estandarte usada por Amakusa Shiro e seus companheiros em Shimabara. Lê-se em português: "Louvado seja o Santíssimo Sacramento".

Em 1640 quatro embaixadores portugueses vindos de Macau a Nagasaki foram pressionados a se apostatarem e, ao se recusarem, foram mortos. Treze de seus subordinados foram devolvidos a Macau com a advertência de que "... Enquanto o sol aquecer a terra, nenhum Cristão ousará entrar no Japão. Que todos saibam. Nem mesmo o Rei da Espanha, ou Deus dos Cristãos, nem o próprio Shaka (Buda), aquele que desobedecer esta proibição pagará com a sua cabeça."

Assim o Japão permaneceu fechado por dois séculos, durante os quais a perseguição continuou no seu interior. Um prêmio era colocado à cabeça dos Cristãos estrangeiros e nativos. Cada ano a população era chamada para calcar o seu pé sobre a imagem de Cristo e da Nossa Senhora gravada em placa de bronze (fumiê) confeccionada com material retirado das antigas igrejas.

Nesta época somente alguns mercadores holandeses eram permitidos a permanecer no Japão, confinados como prisioneiros na ilha de Dejima em Nagasaki, a fim de manter o comércio com os japoneses.

Em 1642 cinco Jesuítas que se infiltraram em segredo foram mortos após torturas horrendas. Foram seguidos em 1643 por cinco outros com o mesmo destino, e, uma tentativa por parte dos Dominicanos de Filipinas em 1647 não teve melhor sorte.

Se foram feitas outras tentativas não sabemos. A última tentativa conhecida é a de Abbé Sidotti, um missionário italiano que, em 1708, chegou ao Japão sozinho, com idade de 40 anos. Levado ao governador de Nagasaki, foi ali interrogado e a mando do Xogun, conduzido a Edo (Tóquio) onde foi condenado à prisão perpétua no local que ainda é denominado "Christian Zaka" (a Ladeira dos Cristãos). Enquanto esteve prisioneiro, converteu e batizou dois carcereiros e faleceu após cinco anos de cativeiro em 1715. O erudito Hakuseki Arai, intérprete do governo no caso Sidotti, escreveu a sua história (Seiyou Kibun - A História Ocidental) que foi publicada na obra "Missions Catholiques"  em 1884.

Entretanto, apesar da perseguição, alguns sinais vagos e esporádicos indicavam que nem todo o Cristão do Japão havia desaparecido. Os missionários coreanos tentaram muitas vezes confirmá-los sem sucesso, pois desde 1838 era impossível  penetrar o "império misterioso" de quaisquer dos lados.

O interesse na missão japonesa, no entanto, continuou a crescer, e, em abril de 1844 Padre Forcade foi enviado ao Japão como missionário. Ele permaneceu nas ilhas de Okinawa com o catequista chinês Ko. Foi seguido pelos Padres Leturdu, Adfnet, Furet, Murmet, Gerard e Mounicou da Société des Missions Etrangères (Sociedade das Missões Estrangeiras) de Paris. Aguardaram por catorze anos em Okinawa e em Hong Kong, procurando todos os meios de alcançar as ilhas principais. Durante estes anos de espera e de sofrimento, batizaram dois japoneses. Finalmente em 8 de outubro de 1858 foi assinado um tratado entre a França e o Japão e ratificado em 22 de setembro de 1859. Os missionários estavam livres para residir em portos livres e terem igrejas para o serviço dos estrangeiros.

Padre Girard foi nomeado provisoriamente Superior da missão e para a ratificação do tratado foi a Edo como intérprete com o Cônsul Geral, de Bellecourt.

Os três portos livres de Hakodate, Yokohama e Nagasaki foram logo ocupados. Os trabalhos e a permanência nestes locais eram difíceis pois o preconceito e hostilidades aos estrangeiros ainda não havia desaparecido no país. Padre Mermet construiu uma casa e uma igreja em Hakodate e Padre Furet fez o mesmo em Nagasaki. No início ensinavam Francês para fazer amizade com os habitantes e preparar o  futuro.

Em 17 de março de 1865, houve na nova igreja de Nagasaki um acontecimento memorável: quinze Cristãos se apresentaram ao Padre Bernard-Thadée Petitjean, assegurando-lhe que havia muitos outros, cerca de 50.000 ao todo. É fácil imaginar a alegria que acompanhou esta descoberta após mais de dois séculos de espera e paciência. Havia três características com os quais estes descendentes dos mártires reconheceram os novos missionários como os sucessores dos seus antigos padres: a autoridade do Papa de Roma, a veneração à Bem-Aventurada Virgem e o celibato do clero. No ano seguinte (1866) Padre Petitjean foi nomeado Vigário Apostólico do Japão.

O ardor extremo renovado dos Cristãos atraiu a atenção e estimulou o velho ódio. Em julho de 1867, recomeçou a perseguição. 40.000 fiéis de Urakami, próxima à Nagasaki foram exilados para várias províncias. A mesma prescrição foi estendida a outras cidades, e em todo o lugar a opção dada aos Cristãos era a apostasia ou o exílio, e a grande maioria confirmou a sua fé. Não houve derramamento de sangue, mas os tribunais foram severos. Cerca de um terço dos exilados morreram no exílio ou não regressaram. Em março de 1873, enquanto a embaixada do governo japonês viajava pela Europa, os exilados foram restituídos às suas casas e a perseguição cessou para dar lugar à tolerância. Daí em diante o governo permaneceu silencioso em relação à religião desde que se mantivesse a ordem pública. Em maio de 1876 o Japão foi dividido em dois Vicariatos Apostólicos, sul e norte; Monsenhor Petitjean foi indicado Vigário Apostólico do sul e Monsenhor Osouf, do norte.

Por volta de 1878 foram permitidos aos missionários  viajar mais de dez léguas do porto ao interior do país por meio de passaportes oficiais. Mais tarde alguns deles se tornaram itinerantes e por meio deles o Evangelho foi pregado e difundido com sucesso admirável em quase todas as cidades e vilas num espaço de quinze anos. Os preconceitos diminuíram, e as conversões se multiplicavam, e as opiniões se inclinavam para a liberdade religiosa.

Em 11 de agosto de 1885, uma carta do Papa Leão XIII ao Imperador do Japão foi recebida com grande honra, e em 18 de dezembro do mesmo ano, um representante do imperador assistiu respeitosamente à cerimônia fúnebre de Afonso XII, Rei da Espanha. Em março de 1888, foi criado o Vicariato Apostólico da região central do Japão, com Monsenhor Midon como o seu Vigário.  Finalmente em 11 de fevereiro de 1889, veio a promulgação da nova Constituição do império e o autêntico reconhecimento da liberdade religiosa.  No ano seguinte, no vigésimo quinto aniversário da descoberta dos Cristãos, foi realizado o primeiro sínodo dos Bispos em Nagasaki. Durante seis semanas aconteceram festividades incomparáveis em que a Igreja do Japão celebrou com arrebatamento de alegria e gratidão o milagre da sua ressurreição.

Em abril de 1891, foi criado o Vicariato de Hakodate com o Monsenhor Berlioz como o seu Vigário. Em 15 de junho do mesmo ano a hierarquia eclesiástica foi estabelecida com um Arcebispo de Tóquio e três sufragâneos, a saber, os Bispos de Nagasaki, Osaka e Hakodate.

Com a chegada da liberdade religiosa, o zelo dos japoneses para a religião decresceu e as conversões se tornaram menos freqüentes. Porém, a educação Católica, benevolente, e trabalhos humanísticos se desenvolveram e cresceram sem oposição, e mais, o progresso numérico nunca se interrompeu. Em 1860 havia dois missionários no Japão; em 1870, um Vigário Apostólico, 40 missionários, 27 religiosas (irmãs), e 23000 Cristãos; em 1890, 79 missionários, 15 sacerdotes locais, 27 Marianistas, 59 irmãs, e 42387 Cristãos; em 1900, 1 Arcebispo e 3 Bispos, 115 missionários, 32 sacerdotes locais, 62694 Cristãos, 93 religiosos e 389 religiosas (estrangeiras e locais).

A imprensa escrita acompanhou a pregação oral. Uma revista Católica, "Kyoto Bambo", fundada em 1881, que continuou sob vários nomes, explicava a religião, respondia a perguntas e fornecia notícias de interesse para os Cristãos. Quase tudo que é relevante à vida, educação, filosofia e teologia Cristã eram tratados em mais de cem trabalhos. Vários trabalhos menores e dois imensos dicionários para o estudo da língua japonesa foram também publicados pelos missionários.