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sábado, 23 de maio de 2015

O Cristianismo no Japão - Parte 1 : Os Mártires Cristãos no Japão

Não há em toda a história da Igreja um povo merecedor de tamanha admiração nos anais do tão glorioso Mundo Cristão, nem um martirológio tão extenso quanto o povo da terra do sol nascente.

Em janeiro de 1552, S. Francisco Xavier descreveu o espírito proselitista dos primeiros neófitos. “Eu os vi, escreveu ele, regozijarem-se do nosso êxito, manifestando um zelo ardente na pregação da fé e no batismo aos pagãos que se convertiam”. Ele anteviu também os obstáculos que estancaria o progresso da fé em certas províncias, o absolutismo deste ou daquele “daimyo” (senhor feudal), uma classe da elite guerreira muito independente do Mikado (Imperador) e em revolta com a sua autoridade suprema. De fato, na província de Hirado, onde se converteram centenas de fiéis, e onde seis anos mais tarde mais de 600 pagãos seriam batizados em três dias, uma mulher Cristã (a protomártir) foi decapitada por orar diante da cruz.

Em 1561 o “daimyo” local forçou os Cristãos a abjurarem da fé, “porém eles preferiram abandonar todas as suas posses e viver em Bungo, pobres com Cristo, que ricos sem Ele”, escreveu um missionário em 11 de outubro de 1562.

Sob o xogunato de Yoshiaki, Nobunaga Oda, apoiado por Koremasa Wada, um Cristão, subjugou grande parte das províncias e restaurou a unidade da monarquia, realizando aquilo que S. Francisco Xavier havia desejado.

Em Miyako (atual Kyoto) a fé foi reconhecida e uma igreja construída em 15 de agosto de 1576. Mais tarde a Igreja continuou a se espalhar sem oposição notável, e os “daimyo” seguiam a liderança do Mikado (Oguimachi, 1558~1586) e Nobunaga Oda. A tolerância e o favorecimento da autoridade central impulsionou a difusão da religião Cristã e, desta época, apenas casos isolados de martírio são conhecidos.

São Francisco Xavier
Somente em 1587, quando já havia 200.000 Cristãos no Japão, foi promulgado um edito de perseguição, ou melhor, de prescrição, por Hideyoshi Toyotomi, diante da surpresa de todos. Hideyoshi fora instigado por um intolerante sacerdote budista chamado Nichijoshonin zeloso pela religião da sua raça e também se impressionado com a inflexibilidade do Daimyo Cristão Ukon Takayama e Pe. Coelho que se recusaram a abandonar a fé cristã para seguirem-no como seu soberano. Vinte e seis residências e 140 igrejas foram destruídas; os missionários condenados ao exílio, porém estes foram suficientemente astutos para se esconderem ou se dispersarem. Eles nunca duvidaram da fidelidade e constância dos seus convertidos; os assistiam em segredo e em dez anos houve outros 100000 convertidos. Conhecemos desta época dois martírios, um em Takata e outro em Notsuhara; porém muitos outros Cristãos foram despojados de seus bens e reduzidos à pobreza.

 A primeira perseguição sangrenta data de 1597, e é atribuída a duas causas:

  1. Quatro anos antes, alguns religiosos de Castela, Espanha, chegaram de Filipinas e, apesar da decisão da Santa Sé, a par da situação delicada criada pelo edito, se juntaram a 130 Jesuítas que agiam com grande precaução. Muito embora tivessem recebido toda a admoestação caridosa, eles se colocaram a trabalhar de forma muito indiscreta, e violaram os termos do edito mesmo na própria capital;
  2. Uma caravela de Castela apanhada pela tempestade na costa do Japão foi confiscada sob as leis então vigentes. Algumas artilharias foram encontradas nela e as suscetibilidades japonesas foram excitadas ainda mais pelas mentiras do capitão, de tal modo que se espalhou a idéia de que os Castelhanos estavam planejando anexar o país.

Foi elaborada uma lista de todos os Cristãos em Miyako e Osaka, e em 5 de fevereiro de 1597, 26 Cristãos, dentre eles seis missionários franciscanos, foram crucificados em Nagasaki. Entre os 20 Cristãos nativos havia garotos de 15, 13 e 12 anos.

“O fruto surpreendente do sacrifício generoso de vossos 26 mártires” (escreveu um missionário Jesuíta) “é que os Cristãos recém-convertidos e outros de fé madura foram confirmados na fé e esperança da salvação eterna; eles se decidiram a dar as suas vidas em nome de Cristo. Os próprios pagãos que assistiram ao martírio foram tocados ao contemplar a alegria daqueles bem-aventurados que sofriam nas suas cruzes e a coragem com que enfrentaram a morte”. Dez anos antes, este mesmo missionário havia profetizado que “da coragem do povo japonês, auxiliada pela graça de Deus, se espera que a perseguição inaugure uma corrida ao martírio”.

De fato, os costumes nacionais e religiosos daquele povo predispunham-nos a sacrificar as suas vidas com um fatalismo singular; em alguns de seus costumes estabelecidos, como o suicídio religioso, o “hara-kiri”, desenvolveram uma expectativa à morte; porém se a graça não destrói a natureza, ela a exalta, e a sua fervorosa caridade e o amor ao Cristo levavam os neófitos japoneses a exageros que os missionários tinham que refrear.  Quando este amor a Cristo se consolidou no meio do sofrimento escolhido livremente, tornou-se mais fácil para os fiéis darem ao Salvador a máxima prova do amor sacrificando as suas vidas numa morte cruel em Seu Santo Nome. “As cinqüenta cruzes, ordenadas para a montanha sagrada de Nagasaki, multiplicadas por dez ou cem, não foram suficientes”, escreveu um missionário, “por causa de todos os fiéis que desejavam o martírio”.

As associações (kumi) eram formadas sob o patrocínio da Bem-Aventurada Virgem com o objetivo de preparar os membros pela oração e mortificação até o sangue, para estarem prontos para sacrificar as suas vidas pela fé. Após a perseguição de 1597, houve casos isolados de martírio até 1614, que totalizaram cerca de 70.

Os reinados de Ieyasu Tokugawa, mais conhecidos nos anais Cristãos como Daifusama, e os seus sucessores Hidetaka e Iemitsu, foram os mais implacáveis.

Não temos ainda a informação clara e exata das causas que levaram àquelas perseguições que duraram por mais de três séculos com alguns breves intervalos de paz.