sábado, 11 de junho de 2011

Reflexão sobre o papel da mulher na Idade Média


Há quem pense que na Idade Média o papel da mulher era o de submissão total e completo ostracismo.
Mas até que ponto isso pode ser afirmado ?
Podemos considerar que a historiografia contemporânea simplesmente apagou a mulher medieval ?

O plano espiritual

No plano espiritual, há quem cogite que se pensava que a alma da mulher não era imortal - afirmação contraditória pois se a alma é espiritual, segundo cânone católico é imortal.
A Igreja não poderia ser hostil a esses seres que durante séculos batizou, confessou e ministrou a Eucaristia.
Além do que, os primeiros mártires cristãos como Santa Agnes, Cecília e Ágata foram mulheres, e uma das figuras mais cultuadas da Igreja é Virgem Maria.

O plano social

Dentro dessa perspectiva desapareceram da história personagens como Hilda de Whitby, que no século VII fundou sete mosteiros e conventos, ou quem sabe a religiosa alemã Hroswitha de Gandersheim, autora de dezenas de peças de teatro. Em Bizâncio, numerosas eram as mulheres na universidade. Anna Comnena fundou em 1083 uma nova escola de medicina onde lecionou por vários anos. Eleonora da Aquitânia, enquanto rainha, desempenhou um importante papel político na Inglaterra e fundou instituições religiosas e educadoras.

Nos tempos feudais a rainha era coroada como o rei, geralmente em Rheims ou, por vezes, em outras catedrais. A coroação da rainha era tão prestigiada quanto a do Rei. A última rainha a ser coroada foi Maria de Medicis em 1610, na cidade de Paris. Algumas rainhas medievais desempenharam amplas funções, dominando a sua época; tais foram Eleonora de Aquitânia (+1204) e Branca de Castela (+1252); no caso de ausência, da doença ou da morte do rei, exerciam poder incontestado, tendo a sua chancelaria, as suas armas e o seu campo de atividade pessoal.

Verdade é que a jovem era dada em casamento pelos pais sem que tivesse livre escolha do seu futuro consorte. Todavia observe-se que também o rapaz era assim tratado; por conseguinte, homens e mulheres eram sujeitos ao mesmo regime.

A mulher na Igreja

Precisamente por causa da valorização prestada pela Igreja à mulher, várias figuras femininas desempenharam notável papel na Igreja medieval. Certas abadessas, por exemplo, eram autênticos senhores feudais, cujas funções eram respeitadas como as dos outros senhores; administravam vastos territórios como aldeias, paróquias; algumas usavam báculo, como o bispo.
Seja mencionada, entre outras, a abadessa Heloisa, do mosteiro do Paráclito, em meados do século XII: recebia o dízimo de uma vinha, tinha direito a foros sobre feno ou trigo, explorava uma granja. Ela mesma ensinava grego e hebraico às monjas, o que vem mostrar o nível de instrução das religiosas deste tempo, que às vezes rivalizavam com os monges mais letrados. Pena faltar estudos mais sérios sobre o tema.
É surpreendente ainda notar que a enciclopédia mais conhecida no século XII se deve a uma mulher, ou seja, à abadessa Herrade de Landsberg. Tem o título "Hortus Deliciarum" (Jardim das Delícias) e fornece as informações mais seguras sobre as técnicas do seu tempo. Algo de semelhante se encontra nas obras de S. Hildegard de Bingen.
Gertrude de Helfta, no século XIII conta-nos como se sentiu feliz ao passar do estado de "romancista" ao de "teóloga". Conforme Pedro, o Venerável, ela, em sua juventude, não sendo freira e não querendo entrar num convento, procurava, todavia, estudos muito áridos, ao invés de se contentar com a vida mais frívola de uma jovem. Ao percorrer o ciclo de estudos preparatórios ela galgara o ciclo superior, como se fazia na Universidade.
Veio da abadia feminina de Gandersheim um manuscrito do século X contendo seis comédias, em prosa rimada, imitação de Terêncio, e que são atribuidas à famosa abadessa Hrotsvitha, da qual, há muito tempo, conhecemos a influência sobre o desenvolvimento literário nos países germânicos. Estas comédias, provavelmente representadas pelas religiosas, são, do ponto de vista da história dramática, consideradas como prova de uma tradição escolar que terá contribuido para o teatro da Idade Média.

Mulheres líderes

No século XII, Robert d'Arbrissel, um dos maiores pregadores de todos os tempos resolveu fixar a multidão de seguidores seus na região de Fontevrault. Para isso ele criou um convento feminino, um masculino e entre os dois uma Igreja que seria o único local aonde os monges e as monjas poderiam se encontrar. Ora, este mosteiro duplo foi colocado sob a autoridade, não de um abade, mas de uma abadessa. Esta, por vontade do fundador, devia ser viúva, tendo tido a experiência do casamento. Para completar, a primeira abadessa que presidiu os destinos da Ordem de Fontevrault, Petronila de Chemillé, tinha 22 anos.
No período feudal o lugar da mulher na Igreja apresentou algumas diferenças daquele ocupado pelo homem, mas este foi um lugar iminente, que simboliza, por outro lado, perfeitamente o culto, insigne também, prestado à Virgem Maria entre os santos.
E não é curioso como a época termine por uma figura de mulher - Joana D'Arc, que seja dito de passagem, não poderia, jamais, nos séculos seguintes obter a audiência do rei, sendo ela mulher, plebeia e ignorante, conseguindo mesmo assim suscitar a confiança que conseguiu, afinal.
Pobre Joana D'Arc!
Recentemente Luc Besson fez um filme de S. Joana D'Arc digna dos melhores hospícios, completamente esquizofrênica e que confundia sua vingança pessoal com o que seria a voz de Deus.
Sem comentários.

A mulher comum.

Faltaria falar das mulheres comuns, camponesas ou citadinas, mães de família ou trabalhadoras. A questão é muito extensa, e os exemplos podem chegar através de diversas fontes como documentos ou mil outros detalhes colhidos ao acaso e que mostram homens e mulheres através dos menores atos de suas existências.
Através de documentos, pôde-se constatar a existência de cabeleireiras, salineiras (comércio do sal), moleiras, castelãs, mulheres de cruzados, viúvas de agricultores, etc.
É por documentos deste gênero que se pode, peça por peça, reconstituir, como em um mosáico, a história real - muito diferente dos romances de cavalaria ou de fontes literárias que apresentam a mulher como um ser frágil, ideal e quase angélico - ou diabólico - mas que não tinha voz nem vez.
Existem documentos demonstrando como em muitos locais, mulheres e homens votavam em assembléias urbanas ou comunas rurais.
Ouve um caso curioso:  Gaillardine de Fréchou foi uma mulher e a única pessoa que, diante da proposta de um arrendamento aos habitantes de Cauterets, nos Pirineus, pela Abadia de Saint Savin, votou pelo Não, quando a cidade inteira votou pelo Sim.
Nas atas dos notários é muito frequente ver uma mulher casada agir por si mesma, abrir, por exemplo, uma loja ou uma venda, e isto sem ser obrigada a apresentar uma autorização do marido. Enfim, os registros de impostos, desde que foram conservados, como é o caso de Paris, no fim do século XIII, mostram multidão de mulheres exercendo funções: professora, médica, boticária, estucadora, tintureira, copista, miniaturista, encadernadora, etc.

Fontes:

Estas informações foram retiradas da mundialmente conhecida medievalista Regine Pernoud, em seu livro Idade Média - o que não nos ensinaram.
A autora consultou e teve acesso a documentos originais da época, quando não de informações contidas em fontes confiáveis. Nos nossos dias, pouco ouvimos falar do papel da mulher na Idade Média. E quando ouvimos, muitas vezes de forma deturpada.
O papel da mulher na sociedade, aliás, a própria sociedade medieval, segundo a autora, passaram por mudanças lentas a partir do século XIII, com o ressurgimento do chamado direito romano, que aos poucos suplantou o direito medieval (eclesiástico). Pelas constatações, vê-se que hoje em dia a maioria das mulheres têm muito o que fazer para reencontrar o lugar que foi seu nos tempos da rainha Eleonora ou da rainha Branca.

Posts relacionados

´