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quinta-feira, 6 de novembro de 2014
O sexo no Mundo Moderno – Julius Evola
O papel que o sexo desempenha na civilização atual é sobejamente conhecido, e assim poder-se-ia, sem dúvida, falar atualmente duma espécie de obsessão do sexo. Em tempo algum a mulher e o sexo ocuparam tão insistentemente o primeiro plano. Dominam sob mil formas diversas a literatura, o teatro, o cinema, a publicidade, toda a vida prática contemporânea. A mulher é apresentada sob mil aspectos, para constantemente atrair o homem e o intoxicar sexualmente. O strip-tease, costume americano trazido para a cena e oferecendo o espetáculo duma jovem que lentamente se despe, despojando-se uma a uma das peças de vestuário mais íntimas até ao mínimo necessário para manter nos espectadores a tensão própria a esse “complexo de espera”, ou estado de suspense, que a nudez imediata, completa e impudica destruiria, tem o valor dum símbolo que resume tudo aquilo que nos últimos períodos da civilização ocidental se produziu em todos os domínios sob o signo do sexo. Utilizaram-se para este efeito os recursos da técnica. Os tipos femininos mais fascinantes e excitantes já não são, como outrora, conhecidos apenas nos espaços restritos dos países onde vivem ou onde se encontram. Atualmente esses tipos são cuidadosamente selecionados e exibidos de todas as maneiras possíveis pelo cinema, as revistas, a televisão, os desenhos animados, etc., e, sob a forma de atrizes, “estrelas” e misses, tornam-se o centro dum erotismo cujo raio de ação é internacional e intercontinental, ao mesmo tempo que é coletiva a sua zona de influência, não povoando as camadas sociais que noutros tempos viviam dentro dos limites duma sexualidade normal e anódina.
Importa pôr em relevo o caráter de celebridade desta pandemia moderna do sexo. Não se trata de impulsos mais violentos que se manifestam apenas no plano físico, dando origem, como em épocas passadas, a uma vida sexual exuberante, desinibida e até mesmo libertina. Hoje em dia o sexo impregnou, pelo contrário, a esfera psíquica, produzindo nela uma gravitação constante e insistente no sentido da mulher e do amor. Deste modo ter-se-á como pano de fundo, no plano mental, um erotismo que apresenta dois caracteres importantes: em primeiro lugar o caráter duma excitação difusa e crônica, quase que independente de toda a satisfação física concreta, visto perdurar como excitação psíquica; em segundo lugar, e em parte como consequência de tal, este erotismo poderá até coexistir com uma castidade aparente. Relativamente ao primeiro destes dois pontos, constitui um fato característico pensar-se atualmente muito mais no sexo do que em épocas passadas, quando a vida sexual era muito menos livre e os costumes, limitando ainda mais uma livre manifestação do amor físico, poderiam justamente levar a esperar essa intoxicação mental que é, afinal, típica dos nossos dias. Quanto ao segundo ponto, são muito significativas certas formas femininas de anestesia sexual e de castidade corrompida relacionadas com o que a psicanálise denomina variedades narcíseas da libido. Trata-se dessas jovens modernas para quem a exibição da nudez, a acentuação de tudo quanto as possa apresentar como motivo de atração para o homem, o culto do corpo, a maquiagem e tudo o mais, constituem o interesse principal, proporcionando-lhes um prazer transposto que é preferido ao prazer específico da experiência sexual normal e concreta, até provocar uma espécie de insensibilidade relativamente a esta experiência e, em certos casos mesmo, uma recusa neurótica (4). Estes tipos femininos deverão ser contados entre as fontes que em mais alto grau alimentam a atmosfera de luxúria cerebral crônica e difusa do nosso tempo.
Tolstoi disse um dia a Gorki: “Para um francês existe, acima de tudo, a mulher. É um povo extenuado e destrambelhado. Os médicos afirmam que todos os tísicos são sensuais”. Excluindo o caso dos franceses, permanece contudo verdadeiro o fato da propagação pandêmica do interesse pelo sexo e pela mulher marcar cada era crepuscular, e deste fenômeno constituir, nos tempos modernos, um dos muitos indícios de que esta época representa precisamente a fase mais aguda e final dum processo de regressão. Mais não poderá fazer-se do que relembrar as ideias formuladas pela antiguidade clássica, baseadas numa analogia com o organismo humano. No homem, a cabeça, o peito e as partes inferiores do corpo são, respectivamente, os centros da vida intelectual e espiritual, dos impulsos da alma que vão até à capacidade heroica e, finalmente, da vida do ventre do sexo.
Correspondem-lhe três principais formas de interesse, três tipos humanos e, poder- se-ia mesmo acrescentar, três tipos de civilização. É evidente que, nos tempos atuais, e por efeito duma regressão, se vive numa civilização em que o interesse predominante já não é de ordem intelectual ou espiritual, nem mesmo heroico ou qualquer outro relacionado com as manifestações superiores da afetividade, mas sim aquele, sub-pessoal, determinado pelo ventre e pelo sexo. Estamos, assim, sob a ameaça de se tornar verdadeira a frase infeliz dum grande poeta, para o qual seriam a fome e o amor que dariam forma à história. O ventre é, atualmente, a base de todas as lutas sociais e econômicas mais características e desastrosas. A sua contrapartida está, como acima mencionamos, na acentuada importância que tem nos nossos dias a mulher, o amor e o sexo.
A antiga tradição hindu das quatro idades do mundo oferece-nos, na sua formulação tântrica, um outro testemunho. Uma das características fundamentais da última destas idades, daquela que tomou o nome de idade obscura (kali-yuga), seria a de Kālī ter sido nela despertada — isto é, libertada — inteiramente, ficando a época marcada pelo seu signo. A doutrina tântrica formula, a este respeito, uma ética e indica uma via que em épocas anteriores deveria ter-se condenado, ou então mantido secreta: a de transformar o veneno em remédio. Tal não sucede, porém, na atualidade, pois ao considerarmos o problema da civilização não devemos criar ilusões baseadas em perspectivas deste gênero. O leitor verificará mais adiante a que plano se referem as possibilidades que acabamos de assinalar. De momento podemos apenas reconhecer a pandemia do sexo como um dos sinais de caráter regressivo dos tempos atuais: pandemia cuja contrapartida natural é essa ginecocracia, essa proeminência tácita de tudo o que é direta ou indiretamente condicionado pelo elemento feminino e cujas manifestações na nossa civilização indicamos igualmente em outras ocasiões (5). Neste contexto particular, aquilo que será posto em evidência relativamente à metafísica e à utilização do sexo, não poderá servir, contudo, senão para fixar alguns pontos de vista, conhecidos os quais teremos a revelação direta, verificada também neste domínio, da queda do nível interior do homem moderno.
(4)L. T. WOODWARD mencionou igualmente uma forma de sadismo psicológico através do qual as mulheres de hoje “exibem prodigamente o próprio corpo, afixando-lhe, contudo, um cartaz simbólico com os dizeres ‘proibido tocar’”. Poderão ser consideradas provocadoras deste tipo: a jovem que se apresenta de biquíni reduzidíssimo, a senhora de decote provocante, a jovem que caminha pela rua envergando calças justíssimas ou “mini-saia” que deixa ver metade da coxa, e que desejam ser admiradas mas não tocadas, sendo capazes, caso tal aconteça, da maior indignação.
(5)Cfr. J. EVOLA, Rivolta contro il mondo moderno, Milão, págs. 422-423; Comentário a J. J. BACHOFEN, Le Madri e la virilità olímpica, Milão, 1949, págs. 14 e ss. Constitui também sinal da vinda da «idade obscura» o momento em que “os homens se sujeitaram às mulheres, e se tornaram escravos do prazer, opressores dos seus amigos, dos seus mestres e de todos aqueles que mereciam respeito”. (Mahânirvâna-tantra, IV, 52).
Parahyba Pagã
quarta-feira, 30 de julho de 2014
Defesa de Julius Evola contra a acusação de Racismo
A acusação da Questura* exige retificação sobre um outro ponto referente ao racismo. Tentando sempre colocar-me sob uma luz comprometedora, apresenta-me como um fanático nazi-fascista, que nas suas palestras no estrangeiro atacou a latinidade e denegriu a italianidade a favor da ideia ariano-germânica, causando alarme até entre a hierarquia Fascista, no seguimento de avisos consulares. Tudo isto é um equívoco derivado da incompetência e de deficiente informação.
Deve-se perceber que nos modernos estudos raciais, “ariano” e mesmo “nórdico” não significam alemão; o termo é sinônimo de “indo-europeu” e é corretamente aplicado a uma raça primordial pré-histórica, da qual derivaram os primeiros criadores das civilizações hindu, persa, grega e romana, e da qual os alemães são apenas os últimos ramos adventícios. Tudo isto é demonstrado da forma mais clara possível nos meus trabalhos Revolta contra o Mundo Moderno e Síntese de Doutrina da Raça. O tipo de racismo por mim defendido, longe de ser um “extremismo”, pertence aos esforços que empreendi, também noutros campos, para retificar as ideias que se desenvolviam de forma desviante no Fascismo, tal como no Nacional-Socialismo. Assim, opus ao racismo meramente materialista e vulgarmente anti-semita um racismo espiritual, introduzindo o conceito de “raça do espírito” e desenvolvendo uma doutrina original sobre essa base. Além disso, opus ao ideal ariano-germânico defendido pelo nazismo o ideal ariano-romano; certamente ataquei a ideia confusa de latinidade, não a favor da ideia germânica mas para exaltar o conceito da pura romanidade, concebida como uma força mais augusta e original do que tudo o que é genericamente latino.
E não é tudo. O advogado da Questura parece desconhecer que as palestras que refere, e cujo título era significativamente “O Despertar Ariano-Romano da Itália Fascista”, foram seguidas por outras em várias cidades alemãs, cujos textos recolhi em italiano, extraídos da Rassegna Italiana. Aqui demonstrei o que a antiga ideia Clássica e Romana tinha a oferecer no sentido de direcionar várias ideias em voga na Alemanha, e para as elevar a um nível superior e espiritual. É possível que algum cônsul italiano no estrangeiro tenha enviado relatórios alarmantes. Mas no que diz respeito à alegada preocupação que a minha teoria racial provocou na hierarquia Fascista, as coisas são muito diferentes. Após estas palestras, Mussolini, por sua iniciativa pessoal, falou comigo expressando-me a sua aprovação às minhas formulações raciais, porque as considerava úteis para dar uma posição independente, e mesmo superior, ao pensamento italiano em relação à ideologia nazi — algo de que o então chefe do Gabinete Racial, Dr. Luchini, pode dar testemunho preciso. E devo dizer que este reconhecimento, feito espontaneamente por Mussolini a um não-fascista — i.e., a um não-membro do partido — é uma das memórias mais gratificantes da minha vida. De qualquer modo, diria que a teoria da raça é apenas um capítulo subordinado e secundário no conjunto de ideias que defendi, apesar do que algumas pessoas pensam.
*Aqui será transcrito um trecho da carta de defesa de Julius Evola perante algumas acusações judiciais feita pelo Ufficio Politico della Questura. A carta completa pode ser lida no Boletim Evoliano
Deve-se perceber que nos modernos estudos raciais, “ariano” e mesmo “nórdico” não significam alemão; o termo é sinônimo de “indo-europeu” e é corretamente aplicado a uma raça primordial pré-histórica, da qual derivaram os primeiros criadores das civilizações hindu, persa, grega e romana, e da qual os alemães são apenas os últimos ramos adventícios. Tudo isto é demonstrado da forma mais clara possível nos meus trabalhos Revolta contra o Mundo Moderno e Síntese de Doutrina da Raça. O tipo de racismo por mim defendido, longe de ser um “extremismo”, pertence aos esforços que empreendi, também noutros campos, para retificar as ideias que se desenvolviam de forma desviante no Fascismo, tal como no Nacional-Socialismo. Assim, opus ao racismo meramente materialista e vulgarmente anti-semita um racismo espiritual, introduzindo o conceito de “raça do espírito” e desenvolvendo uma doutrina original sobre essa base. Além disso, opus ao ideal ariano-germânico defendido pelo nazismo o ideal ariano-romano; certamente ataquei a ideia confusa de latinidade, não a favor da ideia germânica mas para exaltar o conceito da pura romanidade, concebida como uma força mais augusta e original do que tudo o que é genericamente latino.
E não é tudo. O advogado da Questura parece desconhecer que as palestras que refere, e cujo título era significativamente “O Despertar Ariano-Romano da Itália Fascista”, foram seguidas por outras em várias cidades alemãs, cujos textos recolhi em italiano, extraídos da Rassegna Italiana. Aqui demonstrei o que a antiga ideia Clássica e Romana tinha a oferecer no sentido de direcionar várias ideias em voga na Alemanha, e para as elevar a um nível superior e espiritual. É possível que algum cônsul italiano no estrangeiro tenha enviado relatórios alarmantes. Mas no que diz respeito à alegada preocupação que a minha teoria racial provocou na hierarquia Fascista, as coisas são muito diferentes. Após estas palestras, Mussolini, por sua iniciativa pessoal, falou comigo expressando-me a sua aprovação às minhas formulações raciais, porque as considerava úteis para dar uma posição independente, e mesmo superior, ao pensamento italiano em relação à ideologia nazi — algo de que o então chefe do Gabinete Racial, Dr. Luchini, pode dar testemunho preciso. E devo dizer que este reconhecimento, feito espontaneamente por Mussolini a um não-fascista — i.e., a um não-membro do partido — é uma das memórias mais gratificantes da minha vida. De qualquer modo, diria que a teoria da raça é apenas um capítulo subordinado e secundário no conjunto de ideias que defendi, apesar do que algumas pessoas pensam.
*Aqui será transcrito um trecho da carta de defesa de Julius Evola perante algumas acusações judiciais feita pelo Ufficio Politico della Questura. A carta completa pode ser lida no Boletim Evoliano
quarta-feira, 16 de julho de 2014
O liberalismo aristocrático e o liberalismo de esquerda por Julius Evola
Resulta sumamente sintomático e humorístico o facto de que hoje em dia se considere o liberalismo como uma doutrina de Direita quando em épocas anteriores os homens da Direita viram-no como um ardil, como uma força subversiva e desagregadora, da mesma maneira que na actualidade – os mesmos liberais – vêem o marxismo e o comunismo. Com efeito, a partir de 1848, o liberalismo, o nacionalismo revolucionário e a ideologia maçónica anti-tradicional, aparecem na Europa como fenómenos estritamente vinculados entre si e é sempre interessante revisitar os antigos exemplares da publicação Civilitá Católica para ver como esta se expressava relativamente ao liberalismo daquela época.
O factor ideológico de esquerda não penetrou no liberalismo senão num período relativamente recente, e não sem relação com a primeira revolução espanhola, de tal modo que a designação originária dos liberais foi a espanhola, é dizer, “liberales” (e não “liberals”, como em inglês). E é aqui que começa o declive. Deve ressaltar-se, pois, que o primeiro liberalismo inglês teve um carácter aristocrático: foi um liberalismo de gentleman, isto é, um liberalismo de classe. Não se pensou em liberdades que qualquer um pudesse reivindicar indistintamente. Subsiste ainda hoje em Inglaterra este aspecto são e, no fundo, apolítico do liberalismo: o liberalismo não como uma ideologia político-social, mas como a exigência de que, para além da forma particular do regime político, o sujeito possa gozar de um máximo de liberdade, que a esfera da sua “privacy”, da sua vida pessoal privada, seja respeitada e seja evitada a intromissão de um poder estranho e colectivo. Desde o ponto de vista dos princípios este é um aspecto aceitável e positivo do liberalismo que deveria diferenciá-lo da democracia, pois que na democracia o momento social e colectivista predomina sobre o da liberdade individual.
Mas aqui achamo-nos também perante uma mudança de direcção, posto que um liberalismo generalizado e indiscriminado, ao assumir vestimentas ideológicas, fundiu-se no continente europeu com o movimento iluminista e racionalista. Alcançou aqui o primeiro plano o mito do homem que, para ser livre e verdadeiramente fiel a si mesmo, deve desconhecer e recusar toda a forma de autoridade, deve seguir somente a sua razão, não deve admitir outros vínculos para além dos extrínsecos, os quais devem ser reduzidos ao mínimo, pois, ainda assim, sem eles nenhuma vida social seria possível. Em tais termos o liberalismo converteu-se em sinónimo de revolução e de individualismo (mais um passo e chega-se à ideia de anarquia). O elemento primeiro é visto no indivíduo, no sujeito. E aqui são introduzidas duas pesadas consequências sob a direcção daquilo que Croce denominou a “religião da liberdade” mas que nós denominaríamos melhor como fetichismo da liberdade.
A primeira consequência é que o indivíduo já se encontra “ evoluído e consciente” e portanto capaz de reconhecer por si mesmo ou de criar qualquer valor. A segunda é que do conjunto dos sujeitos humanos deixados em estado de total liberdade (laissez faire, laissez aller) possa surgir de maneira milagrosa uma ordem sólida e estável: haveria que recorrer à concepção teológica de Leibniz da denominada “harmonia preestabelecida” (pela Providência), de modo tal que, para usar uma comparação, ainda que as engrenagens do relógio funcionassem cada uma por sua conta, o relógio no seu conjunto marcaria sempre a hora exacta. A nível económico, do liberalismo deriva a “economia de mercado” que pode descrever-se como a aplicação do individualismo ao campo económico-produtivo, afectado por uma idêntica utopia optimista a respeito de uma ordem que nasce por si mesma e que é capaz de tutelar verdadeiramente a proclamada liberdade (bem sabemos onde vai parar a liberdade do mais fraco num regime de piratagem e concorrência desenfreada, tal como acontece nos nossos dias, não só entre indivíduos, mas também entre nações ricas e pobres). O espectáculo que hoje nos mostra o mundo moderno é um cru testemunho da arbitrariedade dessas posições.
Chegados a este ponto podemos tirar algumas conclusões. O liberalismo ideológico nos termos recém mencionados é evidentemente incompatível com o ideal de um verdadeiro Estado de Direita. Não pode aceitar-se a premissa individualista, nem a fundamental recusa de todo o tipo de autoridade superior. A concepção individualista tem um carácter inorgânico; a pretensa reivindicação da dignidade do sujeito resulta, no fundo, num menosprezo da mesma através de uma premissa igualitária e niveladora. Assim, nos tempos mais recentes, o liberalismo não colocou qualquer objecção ao regime do sufrágio universal da democracia absoluta, onde a paridade de qualquer voto, que reduz a pessoa a um simples número, é uma grave ofensa ao indivíduo no seu aspecto pessoal e diferenciado. Logo, em matéria de liberdade, descuida-se a distinção essencial entre a liberdade face a algo e a liberdade para algo ( isto é, para fazer algo). Tem muito pouco sentido a manifestação de zelo a respeito da primeira liberdade, da liberdade externa, quando não se sabem indicar ideais e fins políticos superiores em função dos quais o uso da mesma adquira um verdadeiro significado. A concepção básica de um verdadeiro Estado, de um Estado de Direita, é “orgânica” e não individualista.
Mas se o liberalismo, remetendo-se à sua tradição pré-ideológica e pré-iluminista, se limitasse a preconizar a maior liberdade possível da esfera individual privada, a combater toda a abusiva ou desnecessária intromissão na mesma dos poderes públicos e sociais, se o mesmo servisse de obstáculo às tendências “totalitárias” em sentido negativo e opressivo, se defendesse o princípio de liberdades parciais (se bem que o mesmo deveria defender também a ideia de corpos intermédios, dotados justamente de autonomias parciais, entre o vértice e a base do Estado, que levaria a um corporativismo), se estivesse disposto a reconhecer um Estado omnia potens, mas não omnia facens (W.Heinrich), isto é, que exerce uma autoridade superior sem intrometer-se por todo o lado, a contribuição “liberal” seria positiva. Em especial, se levamos em conta a actual situação italiana, poderia ser também positiva a separação, propugnada pelo liberalismo ideológico, da esfera política face à eclesiástica, sempre que isso não signifique a laicização materialista da primeira. Contudo, aqui encontrar-se-ia um obstáculo insuperável, já que o liberalismo tem uma fobia a tudo o que possa assegurar à autoridade estatal um fundamento superior e espiritual e professa um fetichismo pelo denominado “Estado de direito”: isto é, um Estado da legalidade abstracta, como se a legalidade existisse por fora da História, e como se o Direito e a Constituição caíssem do céu e com um carácter de irrevocabilidade.
O espectáculo da situação a que conduziu a partidocracia neste regime de massas e de demagogia deveria fazer-nos reflectir sobre a antiga tese liberal ( e democrática) de que o pluralismo desordenado dos partidos seja garantia verdadeira de liberdade. E a respeito da liberdade reivindicada a qualquer preço e em qualquer plano, por exemplo no da cultura, seria necessário fazer hoje em dia uma série de precisões oportunas, se é que não se quer que tudo entre em colapso de forma acelerada. Hoje em dia pode ver-se muito bem de que coisas o homem moderno, convertido finalmente em “adulto e consciente” (de acordo com o liberalismo e a democracia progressista), se tornou capaz com a sua “liberdade”, a qual resultou muitas vezes na produção de vírus ideológicos e culturais que estão conduzindo à dissolução toda uma civilização.
Mas a esse respeito o discurso seria demasiado longo e tirar-nos-ia do marco da nossa análise. Supomos que com estas notas, ainda que de maneira extremamente sumária, foi colocado em evidência desde o ponto de vista da Direita tudo aquilo que de positivo e negativo possa apresentar-nos o liberalismo.
Julius Evola, Il Borghese, 10-10-1968
sábado, 5 de novembro de 2011
Fundamentos da Realeza
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Florença, Sec. XVI |
Como já disse, um aspecto interessante de Evola, é quem embora ele se foque muito no esoterismo, ele me parece mais um antropólogo existencial. Seu vasto conhecimento sobre diversas tradições, o permite enxergar as mudanças que essas tradições vão sofrendo ao longo do tempo até se degenerarem.
Conhecimento que considero até assustador, nunca vi ninguém falar com tanta propriedade de tradições nórdicas, depois saltar para as do mediterrâneo, e polinésios, africanos. Evola parece uma enciclopédia do assunto.
Em seu livro "Revolta Contra o Mundo Moderno" Julius Evola aponta, de maneira breve e sucinta, pontos em relação a todas as formas tradicionais de civilização, e começa sua famigerada obra pontuando as noções tradicionais de realeza. Como não faço parte da "nova direita" (geralmente os grupos de estudos evolianos), tradicionalistas radicais, ou qualquer outro grupo político, definirei a obra sob minha perspectiva, e deixarei que o próprio Evola fale por si.
Agir sem agir
Segundo os aspectos tradicionais, sempre existiu a idéia presencial supra-humana (divina) vivendo entre os mortais. O pontifex, o fazedor de pontes, entre o natural e o sobrenatural (ou super-natural, como preferir). Essa figura era o rei.
Essa autoridade no mundo tradicional, apesar do que muitos pensam, não é baseada em qualidades visíveis e pragmáticas. Essencialmente, até mesmo atributos baseado em qualidades naturais e seculares como inteligência, sensatez, habilidade, coragem física, preocupação minuciosa com o bem material coletivo são coisas secundárias na autoridade.
Em um sentido ideal, ela era baseada pela simples existência! Uma autoridade que emanava da "não-ação", naturalmente luminosa, próspera, salvadora. Não baseada em vãs alegações, mas numa poderosa e temível realidade.
Qualidades conceituadas em provas já não são ligadas ao mundo tradicional, pois algo de uma necessidade de se provar, e provas já pressupõe dúvidas, questionamentos.
O direito de depor e o Sol Invictus
A prova era vista como um sintoma natural da autoridade, não seu fundamento.
Em certos povos prevaleceu o costume de se depor o rei/chefe quando ocorria um desastre ou calamidade (derrota em uma guerra, ou simplesmente uma guerra). Isso era sinal de falta de uma força mística da fortuna pelo qual se tinha o direito de ser chefe.
O rei provava sua autoridade na realidade vitoriosa. Exigia-se do soberano a manutenção da qualidade simbólica do "Solar Invictus", caso ele não conseguisse manter essa qualidade, era substituído.
Interessante as pontuações que Evola faz no livro a respeito dessa qualidade, duas delas me chamam a atenção, a dos reis dos bosques de Nemi e de Felipe de Valois. Os reis dos bosques de Nemi, cuja divindade, ao mesmo temporal e sacerdotal, passava para quem tivesse conseguido surpreende-lo e matá-lo. Aqui a prova como combate físico, quando tiver sido esse o caso, é apenas a transposição materialista de algo a que se liga a um significado superior.
A presença vitoriosa era algo que se exigia do rei, o outro caso que mencionei, de Felipe de Valois é igualmente interessante. Nas vésperas da Guerra dos 100 anos, Veneza pediu a Felipe de Valois que provasse seu direito efetivo de ser rei. Se ele for rei da França, realmente, deverá se expor na frente de leões famintos. Leões nunca ferirão um rei legítimo.
Violência, Política e o Simbolismo Polar
Simbolismo Polar, em seu significado para o mundo tradicional, uma estrela polar fica parada em seu lugar, mas todas as estrelas giram à sua volta.O rei deveria ser tradicionalmente essa estrela polar, um motor imóvel que coordena o movimento ordenado.
A ideia de que a autoridade do rei se baseie na concepção política da suprema autoridade, no simples uso da força e violência não é tradicional.
Não se pode conceber a autoridade nas formas tradicionais sem se valer de uma característica importantíssima, relacionada ao seu Simbolismo Polar, que é o atributo fundamental da estabilidade; a PAZ.
Na paz, se reconhece o verdadeiro chefe.
Paz, serenidade, solidez, a firmeza, são os atributos relacionados a montanha, são conceitos de glória. Paz não está dissociada do elemento triunfal; Segundo como ele pontua em Kung-Tse: "O homem designado para soberania tem um princípio de estabilidade e de calma".
Na base da tradição irânica, chega-se precisamente à concepção metafísica do Império, como uma realidade, não imposta pela força, mas naturalmente.
Nobres Tradicionais
A concepção tradicional desta é baseada espiritualmente, fundamentalmente representada na vitória do cosmos contra o caos. Nobres são aqueles que visavam construir a vida para além dos limites da natureza e da existência empírica e contingente.
É igualmente anti-tradicional, segundo Evola, a concepção de autoridade passada simplesmente por hereditariedade, o que já descarta a importância do sangue no processo.
Autoridade tradicional é manifesta na realidade, e é indubitável. Algo que está além, tanto da individualidade (paixões pessoais) quanto do coletivo (o nobre não é conduzido pelo coletivo, ele é quem conduz), e raças biológicas (não vejo diferença entre os que se curvam ao coletivo, ou a raças biológicas, essencialmente é a mesma coisa). A transcendência é manifestada na pura e simples vontade de potência Nietzcheana, não dissociada, lembrando, do conceito de paz e justiça, relacionadas ao fundamental Simbolismo Polar.
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Nobres etíopes |
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
Julius Evola, o mito do Andrógino e a Metafísica do Sexo
Andrógino, segundo o livro "O Banquete", de Platão, uma criatura mítica proto-humana. No livro, o comediógrafo Aristófanes descreve como haveriam surgido os diferentes sexos. Havia antes três
seres: Andros, Gynos e Androgynos, sendo Andros entidade masculina composta de oito membros e duas cabeças, ambas masculinas, Gynos entidade feminina mas com características semelhantes, e Androgynos composto por metade masculina, metade feminina.
Eles não estavam agradando os deuses, que os resolveu separar em dois, para que se tornassem menos poderosos. Seccionado Andros, originaram-se dois homens, que apesar de terem seus corpos agora separados, tinham suas almas ligadas, por isso ainda eram atraídos um por o outro.
O mesmo ocorre com os outros dois. Andros deu origem aos homens homossexuais, Gynos às lésbicas e Androgynos aos heterossexuais. Segundo Aristófanes, seriam então dividos aos terços os heterossexuais e homossexuais.
A primeira teoria diz respeito ao mito do andrógino. Para este, como para quase todos os mitos inseridos na filosofia de Platão, deverá supor-se uma origem iniciática e relacionada com os Mistérios.
O mesmo tema circula, efetivamente, pelos subterrâneos duma literatura muito variada, desde os antigos meios misteriosóficos e gnósticos até aos autores da Idade Média e dos primeiros séculos da própria era moderna. Fora do nosso continente poderão também encontrar-se temas idênticos.
Segundo Platão existiu uma raça primordial cuja essência se encontra agora extinta, raça de seres que englobavam os dois princípios masculino e feminino. Os componentes dessa raça andrógina tinham uma força e uma audácia extraordinárias, acalentando no seio projetos de um extremo orgulho, como, por exemplo, a ideia de atacar os deuses.
Atribui-se igualmente a essa raça a lenda referida por Homero, a propósito de Oto e Efialto, da tentativa de escalar os céus para atacar os deuses. Este tema é o mesmo de hybris dos Titãs e dos Gigantes; é o tema de Prometeu e aquele que se pode encontrar em tantos outros mitos — até, em certa medida, no mito bíblico do Éden e do Adão, porquanto aí figura também a promessa de «se tornarem idênticos aos deuses (Gênese, III, 5).
Na obra de Platão os deuses não fulminam os seres andróginos tal como fizeram aos gigantes, mas paralisam o seu poder separando-os em duas metades. Daí a nascença de seres de sexo distinto, portadores sob a forma de homem ou de mulher de um ou do outro sexo; seres estes em que persiste, contudo, recordação do estado anterior que lhes desperta o impulso de reconstituírem a unidade primordial.
É neste impulso que, segundo Platão, deverá encontrar-se o sentido final, metafísico e eterno do eros.
Desde essas épocas recuadas, o amor impele os seres humanos uns para os outros, é inato na natureza humana e tende a restabelecer a natureza primeiro ao tentar unir num só dois seres distintos e assim restaurar a natureza humana (Ibid., 191-cd).
À parte a participação comum dos amantes no prazer sexual, a alma de cada um tende para qualquer coisa de diferente, que não consegue exprimir mas que se sente e revela misteriosamente (Ibid., 192 c-d).
Trata-se como que de uma prova a posteriori.
Platão faz Efaisto perguntar aos amantes:
"O que desejais ? Não será uma fusão perfeita um no outro, de maneira a jamais vos separardes nem de dia nem de noite? Se é esse o vosso desejo poderei fundir-vos e soldar-vos pelo fogo num único ser, de tal modo que de dois que éreis ficareis reduzidos a um só e vivereis unidos um ao outro enquanto viverdes, e quando morrerdes, em lugar de dois sereis um, além, no Ade, ligados a um destino comum. Pois bem, vede se é isto que desejais e se vos satisfaz."
Platão diz-nos a este propósito, bem sabemos que não haveria nenhum que recusasse ou desejasse outra coisa; cada um pensaria ter finalmente ouvido exprimir aquilo que, há tanto tempo, era seu desejo: unir-se, fundir-se com o ser amado, para de dois seres distintos formar uma só natureza. Ora será preciso procurar o móbil desta aspiração no fato de ser precisamente esta a nossa natureza primitiva, em que formávamos uma unidade ainda completa; é precisamente o desejo ardente de obter esta unidade que toma o nome de amor. (Ibid., 192d-e).
É quase como um símbolo, a união (das duas partes) de uma à outra no desejo de se penetrarem (Ibid., 187 a).
Neste conjunto os elementos acessórios, figurativos e míticos, no sentido negativo da palavra, deverão ser separados do conceito essencial.
Assim, não se deve naturalmente, e em primeiro lugar, pensar nos seres primordiais que Platão, à maneira de uma fábula, nos descreve, até nos seus traços somáticos, como membros de uma qualquer raça pré-histórica de que quase seria possível encontrar os restos ou os fósseis.
Deveremos, ao contrário, referir-nos a um estado, a uma condição espiritual das origens, não tanto no sentido histórico como no quadro de uma antologia, de uma doutrina dos estudos múltiplos do ser.
Se abstrairmos da mitologia poderemos compreender este estado como o de um ser absoluto (não fracionado, não dual), como uma totalidade ou unidade pura, e, por isso mesmo, como um estado de imortalidade.
Este fato é confirmado quer pela doutrina expressa através de Diotima*, noutra parte de O Banquete, quer pela desenvolvida em Fedra, onde, e se bem que em relação com o que mais tarde se chamou amor platônico e com a teoria da beleza, se torna explícita a relação entre o fim supremo do eros e a imortalidade.
Como segundo elemento do mito platônico consideramos, em seguida, uma variante do tema tradicional geral da queda. A diferenciação dos sexos corresponde à condição de um ser fraturado, pois que finito e mortal: isto é, à condição dual, daquele que não tem a vida em si, mas num outro ser — estado que não pode ser considerado original.
Assim, e relativamente a este último ponto, poderia estabelecer-se um paralelo com o próprio mito bíblico, porquanto neste a queda de Adão tem como consequência a sua exclusão da Arvore da Vida. A Bíblia refere-se igualmente ao androginato dos seres primordiais feitos à imagem de Deus (Ele criou-nos macho e fêmea — Gênese, 1,27) e o nome de Eva, complemento de homem, quer dizer a Vida, a que vive. Como veremos mais adiante, na interpretação cabalística, a separação da Mulher-Vida no andrógino está relacionada com a queda e acaba por equivaler à exclusão de Adão da Arvore da Vida para que esta não se torne um de nós (um Deus) e não viva eternamente. (Gênese, III, 22).
No seu conjunto, o mito platônico encontra-se pois entre aqueles que aludem à passagem da unidade para a dualidade, do ser à privação do ser e da vida absoluta. O seu caráter particular e importância encontram-se, todavia, na sua aplicação, ou seja, na dualidade dos sexos para indicar o sentido secreto e o objetivo final do eros.
Já em Upanishad se podia ler, como referência especial numa conhecida sequência relativa àquilo que se procura verdadeiramente através de um ou outro objetivo aparente e ilusório da vida de todos os dias: Não é pela mulher (em si) que a mulher é desejada pelo homem, mas sim pelo âtmâ (pelo princípio "tudo luz, tudo imortalidade").
A imagem é a mesma. No seu aspecto mais profundo o eros incorpora um impulso tendente a vencer as consequências da queda, a sair do mundo cessante da dualidade, com o fim de restabelecer o estado primordial e ultrapassar a condição de uma existencialidade dual, fraturada e condicionada pelo outro.
É este o seu sentido absoluto; é este o mistério que impele o homem para a mulher, elementarmente, antes de todos os condicionalismos, já referidos, do amor humano nas suas infinitas variedades relativas a seres que nem sempre são homens ou mulheres puros, mas quase todos subprodutos de uns e outras.
Esta é, pois, a chave de toda a metafísica do sexo: Através da díade para a unidade. Deve reconhecer-se no amor sexual a forma mais universal que leva os homens a procurarem obscuramente destruir por momentos a dualidade, ultrapassando existencialmente a fronteira entre o Eu e o não-Eu, entre Eu e o Tu, a carne e o sexo que servem de instrumentos para uma aproximação estática da união. Embora sem fundamento, a etimologia da palavra amor dada por um Fiel do Amor medieval não é menos significativa: A partícula "a" significa "sem", "mor" (mors) significa "morte": reunindo as duas teremos "sem morte", isto é, a imortalidade.
seres: Andros, Gynos e Androgynos, sendo Andros entidade masculina composta de oito membros e duas cabeças, ambas masculinas, Gynos entidade feminina mas com características semelhantes, e Androgynos composto por metade masculina, metade feminina.
Eles não estavam agradando os deuses, que os resolveu separar em dois, para que se tornassem menos poderosos. Seccionado Andros, originaram-se dois homens, que apesar de terem seus corpos agora separados, tinham suas almas ligadas, por isso ainda eram atraídos um por o outro.
O mesmo ocorre com os outros dois. Andros deu origem aos homens homossexuais, Gynos às lésbicas e Androgynos aos heterossexuais. Segundo Aristófanes, seriam então dividos aos terços os heterossexuais e homossexuais.
A primeira teoria diz respeito ao mito do andrógino. Para este, como para quase todos os mitos inseridos na filosofia de Platão, deverá supor-se uma origem iniciática e relacionada com os Mistérios.
O mesmo tema circula, efetivamente, pelos subterrâneos duma literatura muito variada, desde os antigos meios misteriosóficos e gnósticos até aos autores da Idade Média e dos primeiros séculos da própria era moderna. Fora do nosso continente poderão também encontrar-se temas idênticos.
Segundo Platão existiu uma raça primordial cuja essência se encontra agora extinta, raça de seres que englobavam os dois princípios masculino e feminino. Os componentes dessa raça andrógina tinham uma força e uma audácia extraordinárias, acalentando no seio projetos de um extremo orgulho, como, por exemplo, a ideia de atacar os deuses.
Atribui-se igualmente a essa raça a lenda referida por Homero, a propósito de Oto e Efialto, da tentativa de escalar os céus para atacar os deuses. Este tema é o mesmo de hybris dos Titãs e dos Gigantes; é o tema de Prometeu e aquele que se pode encontrar em tantos outros mitos — até, em certa medida, no mito bíblico do Éden e do Adão, porquanto aí figura também a promessa de «se tornarem idênticos aos deuses (Gênese, III, 5).
Na obra de Platão os deuses não fulminam os seres andróginos tal como fizeram aos gigantes, mas paralisam o seu poder separando-os em duas metades. Daí a nascença de seres de sexo distinto, portadores sob a forma de homem ou de mulher de um ou do outro sexo; seres estes em que persiste, contudo, recordação do estado anterior que lhes desperta o impulso de reconstituírem a unidade primordial.
É neste impulso que, segundo Platão, deverá encontrar-se o sentido final, metafísico e eterno do eros.
Desde essas épocas recuadas, o amor impele os seres humanos uns para os outros, é inato na natureza humana e tende a restabelecer a natureza primeiro ao tentar unir num só dois seres distintos e assim restaurar a natureza humana (Ibid., 191-cd).
À parte a participação comum dos amantes no prazer sexual, a alma de cada um tende para qualquer coisa de diferente, que não consegue exprimir mas que se sente e revela misteriosamente (Ibid., 192 c-d).
Trata-se como que de uma prova a posteriori.
Platão faz Efaisto perguntar aos amantes:
"O que desejais ? Não será uma fusão perfeita um no outro, de maneira a jamais vos separardes nem de dia nem de noite? Se é esse o vosso desejo poderei fundir-vos e soldar-vos pelo fogo num único ser, de tal modo que de dois que éreis ficareis reduzidos a um só e vivereis unidos um ao outro enquanto viverdes, e quando morrerdes, em lugar de dois sereis um, além, no Ade, ligados a um destino comum. Pois bem, vede se é isto que desejais e se vos satisfaz."
Platão diz-nos a este propósito, bem sabemos que não haveria nenhum que recusasse ou desejasse outra coisa; cada um pensaria ter finalmente ouvido exprimir aquilo que, há tanto tempo, era seu desejo: unir-se, fundir-se com o ser amado, para de dois seres distintos formar uma só natureza. Ora será preciso procurar o móbil desta aspiração no fato de ser precisamente esta a nossa natureza primitiva, em que formávamos uma unidade ainda completa; é precisamente o desejo ardente de obter esta unidade que toma o nome de amor. (Ibid., 192d-e).
É quase como um símbolo, a união (das duas partes) de uma à outra no desejo de se penetrarem (Ibid., 187 a).
Neste conjunto os elementos acessórios, figurativos e míticos, no sentido negativo da palavra, deverão ser separados do conceito essencial.
Assim, não se deve naturalmente, e em primeiro lugar, pensar nos seres primordiais que Platão, à maneira de uma fábula, nos descreve, até nos seus traços somáticos, como membros de uma qualquer raça pré-histórica de que quase seria possível encontrar os restos ou os fósseis.
Deveremos, ao contrário, referir-nos a um estado, a uma condição espiritual das origens, não tanto no sentido histórico como no quadro de uma antologia, de uma doutrina dos estudos múltiplos do ser.
Se abstrairmos da mitologia poderemos compreender este estado como o de um ser absoluto (não fracionado, não dual), como uma totalidade ou unidade pura, e, por isso mesmo, como um estado de imortalidade.
Este fato é confirmado quer pela doutrina expressa através de Diotima*, noutra parte de O Banquete, quer pela desenvolvida em Fedra, onde, e se bem que em relação com o que mais tarde se chamou amor platônico e com a teoria da beleza, se torna explícita a relação entre o fim supremo do eros e a imortalidade.
Como segundo elemento do mito platônico consideramos, em seguida, uma variante do tema tradicional geral da queda. A diferenciação dos sexos corresponde à condição de um ser fraturado, pois que finito e mortal: isto é, à condição dual, daquele que não tem a vida em si, mas num outro ser — estado que não pode ser considerado original.
Assim, e relativamente a este último ponto, poderia estabelecer-se um paralelo com o próprio mito bíblico, porquanto neste a queda de Adão tem como consequência a sua exclusão da Arvore da Vida. A Bíblia refere-se igualmente ao androginato dos seres primordiais feitos à imagem de Deus (Ele criou-nos macho e fêmea — Gênese, 1,27) e o nome de Eva, complemento de homem, quer dizer a Vida, a que vive. Como veremos mais adiante, na interpretação cabalística, a separação da Mulher-Vida no andrógino está relacionada com a queda e acaba por equivaler à exclusão de Adão da Arvore da Vida para que esta não se torne um de nós (um Deus) e não viva eternamente. (Gênese, III, 22).
No seu conjunto, o mito platônico encontra-se pois entre aqueles que aludem à passagem da unidade para a dualidade, do ser à privação do ser e da vida absoluta. O seu caráter particular e importância encontram-se, todavia, na sua aplicação, ou seja, na dualidade dos sexos para indicar o sentido secreto e o objetivo final do eros.
Já em Upanishad se podia ler, como referência especial numa conhecida sequência relativa àquilo que se procura verdadeiramente através de um ou outro objetivo aparente e ilusório da vida de todos os dias: Não é pela mulher (em si) que a mulher é desejada pelo homem, mas sim pelo âtmâ (pelo princípio "tudo luz, tudo imortalidade").
A imagem é a mesma. No seu aspecto mais profundo o eros incorpora um impulso tendente a vencer as consequências da queda, a sair do mundo cessante da dualidade, com o fim de restabelecer o estado primordial e ultrapassar a condição de uma existencialidade dual, fraturada e condicionada pelo outro.
É este o seu sentido absoluto; é este o mistério que impele o homem para a mulher, elementarmente, antes de todos os condicionalismos, já referidos, do amor humano nas suas infinitas variedades relativas a seres que nem sempre são homens ou mulheres puros, mas quase todos subprodutos de uns e outras.
Esta é, pois, a chave de toda a metafísica do sexo: Através da díade para a unidade. Deve reconhecer-se no amor sexual a forma mais universal que leva os homens a procurarem obscuramente destruir por momentos a dualidade, ultrapassando existencialmente a fronteira entre o Eu e o não-Eu, entre Eu e o Tu, a carne e o sexo que servem de instrumentos para uma aproximação estática da união. Embora sem fundamento, a etimologia da palavra amor dada por um Fiel do Amor medieval não é menos significativa: A partícula "a" significa "sem", "mor" (mors) significa "morte": reunindo as duas teremos "sem morte", isto é, a imortalidade.
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domingo, 12 de junho de 2011
Análise do Fascismo pelo tradicionalista Julius Evola
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O simbolismo do Fascio
O fascio é um simbolo de origem etrusca que é associado ao poder e à autoridade.
Na Roma Antiga, era usado em cerimónias oficiais - jurídicas, militares e outras - precedia a passagem de figuras da suprema magistratura, abrindo caminho em meio ao povo.
Constitui-se de um feixe de varas de bétula branca, simbolizando o poder de punir, amarradas por correias vermelhas (fasces), símbolo da soberania e união. O machado de bronze simboliza o poder de vida e morte.
Abaixo uma estátua de uma criança segurando o fascio.
Roma, basilica di san Marco, angelo della tomba del cardinale Aloisio Priuli |
O fascio se tornou mais tarde símbolo do movimento Fascista, doutrina totalitária desenvolvida por Mussolini na Itália, no qual, a própria nomenclatura se inspira.
Esse simbolismo tradicional, e até nostálgico e mitológico, vivia no imaginário e no sonho italiano, que no passado, fora o berço de um dos maiores e mais influentes impérios da Antiguidade.
Para Julius Evola, o que caracteriza a mitologização é a idealização. Para ele, que por vezes se mostra relativamente simpático ao movimento, o Fascismo é legítmo apenas na medida em que foi uma manifestação e re-assumpção da grande tradição política européia, fomentada no plano espiritual, político e social.
Essa fomentação, para Evola, representa tudo o que a Europa buscava antes da Revolução Francesa.
A ascenção do Terceiro Estado que, para ele, foi o início do fim que levou a tradição européia a sua atual prostração.
Para Evola, a origem do Fascismo está relacionada com a crise da idéia de Estado - da autoridade e do império, originária das ideologias do Risorgimento, movimento que buscou entre 1815 e 1870 a unificação da Itália, que antes era uma coleção de pequenos Estados submetidos a potências estrangeiras.
Do Risorgimento formou-se um Estado secular, de influência maçônica e de governo liberal(que Evola considera medíocre) com uma monarquia enfraquecida (parlamentar e constitucional).
O Estado então se tornou desprovido de mito no sentido positivo, aboliu a idéia superior orientadora e organizadora e tornou-se fraco mediante as eminentes sugestões revolucionárias do Quarto Estado, ou seja, a revolução socialista marxista.
![]() |
Litor romano |
Com a ascenção do fascismo, a idéia de Estado, com uma base para um governo forte, afirmou o puro princípio da autoridade e da soberania política.
Se orientando no trinômio "autoridade, ordem e justiça", do qual para ele, inegavelmente, criou grandes Estados europeus.
Evola mostra-se um tanto fascinado com o retorno dessa idéia de poder e da autoridade.
O imperativo ideal fascista se dá em combater o sistema de incompetência peculiar à democracia e substituí-lo por um princípio de solidariedade, energia e unidade num mundo que sentia e sente os efeitos das influências deletérias da consciência de classe, partidismo, do regime de influentes e incompetentes trapaceiros políticos, para além dos antagonismo entre os capitalistas monopolistas, os mercados e as forças do trabalho no sistema de inspiração liberal.
Para Evola, outro aspecto positivo é o sistema corporativista. O corporativismo é um sistema político que atingiu seu completo desenvolvimento teórico e prático na Itália Fascista. De acordo com seus postulados o poder legislativo é atribuído a corporações representativas dos interesses econômicos, industriais ou profissionais, nomeadas por intermédio de associações de classe, que através dos quais os cidadãos, devidamente enquadrados, participam na vida política.
Esse espírito corporativista simboliza para ele uma re-assumpção do espírito que era a força motriz das antigas corporações e das empresas antes delas serem comprometidas por um lado pelos desvios e abusos de poder do capitalismo tardio, gerando uma consciência marxista que se espalhou pelas massas trabalhadoras.
O corporativismo fascista recolheu princípios de uma solidariedade anti-classista na ordem produtiva, superando ao mesmo tempo o liberalismo e o socialismo, numa concepção orgânica.
O primado do princípio político sobre a economia, e não o contrário.
Análise do sindicalismo e Autarcia
Apesar dos caracteres posititvos do corporativismo, o requerimento da praxis do regime foi apenas levada a meio.
No corporativismo fascista existiam ainda réstias da consciência de classe pois não houve a coragem de assumir uma posição claramente anti-sindicalista.
A dualidade empregador-empregado não foi superada onde deveria ter sido, nas próprias empresas, através de formas orgânicas originais.
O sindicalismo foi ineficiente, um parasita superstrutural estatal moldadado por um pesado centralismo burocrático.
O reconhecimento do sindicato representou um passo atrás e não um passo a frente, uma verdadeira demagogia legalizada.
O "passo-a-frente" para Evola foi representado na legislação laboral Nacional-Socialista que excluia o sindicalismo e ao mesmo tempo, conseguiu uma eficiente reconstrução da economia com a adequada satisfação da necessidade de justiça social.
Outro ponto criticado do fascismo é a Autarcia, o qual Evola defende.
Autarcia, é uma sociedade que se basta a si própria em termos económicos. Tem implícita a ideia de que um país deve produzir tudo aquilo de que necessita para consumir, não ficando dependente das importações.
O conceito de Autarcia tem origem na Antiguidade clássica, nas escolas estóicas, aonde era considerada como um imperativo da ética de independência e auto-soberania.
Manter o nível geral de vida relativamente baixo se necessário, para que se possa ser tão libre quanto possível das ataduras do capital e economias estrangeiras, é uma idéia sã e viril.
A Italia tem recursos naturais limitados.
Um sistema de autarcia e austeridade no contexto de uma economia de consumo equilibrada ao invés de uma de produção forçada e do supérfluo.
Contraposição da aparente prosperidade geral e uma vida quotidiana descontraída, com atroz saldo da dívida da balança estatal, uma extrema instabilidade, uma inflação progressiva e uma invasão de capital estrangeiro - invasão com o intúito encantador e hipócrita de "apoio ao desenvolvimento de áreas subdesenvolvidas".
A crítica do Totalitarismo.
Totalitarismo é um sistema político no qual o Estado, normalmente sob controle de uma única pessoa, político, facção ou classe, não reconhece limites à sua autoridade e se esforça para regulamentar todos os aspectos da vida pública e privada.
Segundo Evola, esse foi o primeiro dos diversos desvios que o fascismo teve quando era vigente.
O ideal de autoridade defendida por Evola era algo muito mais relacionada ao livre reconhecimento e lealdade a superioridade e muito menos impositivo.
Não deve ser equiparado a um pedagogo insuportável e invasivo.
Deve ser fruto de uma livre adesão e respeito mútuo e não interferência no que é estritamente pessoal e irrelevante para o propósito da ação comum.
A idéia formulal de "Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado", para ele, torna o princípio de autoridade central indiscutível degenerada.
Esta idéia totalitária é reconhecível em um estado Soviético, dada suas premissas materialistas, mecanicistas e coletivistas, não em um sistema tradicional que se baseia em valores espirituais.
O Estado tradicional de Evola deve ser orgânico, não totalitário, e era nesse sentido que o regime fascista deveria ser guiado.
Um estado orgânico é um estado diferenciado e articulado, admite zonas de autonomia parcial, coordena e subordina a uma unidade superior forças cuja liberdade, no entanto, respeita.
Em busca de um nacionalismo purificado
Evola defende que a idéia tradicional da preeminência do Estado, qual ele viu germinar e morrer na ascenção do Fascismo, deve ser reassumida, reelaborada, repensada.
Uma precisa oposição ideal entre Estado e a "sociedade", reunindo nesta última todos os valores, interesses e disposições que dizem respeito ao lado físico e vegetativo de uma comunidade, não organizados em uma ideia superior.
Ideia que não se encontra nem democracia burguesa, de direito natural nem no socialismo pois ambos se limitam a entender o mundo unicamente em seus processos econômicos.
Para Evola, outro erro do fascismo, é incitar um nacionalismo apelando aos meros sentimentos de pátria e povo e associando a um "tradicionalismo" limitado a um conservadorismo do tipo burguês, púdico, catolizado e convencionalista.
Para ele, o sentimento de pátria e nação tem caráter pré-político, não inteiramente distinto do mero sentimento de família.
Pátria e nação, palavras usadas através de uma retórica vazia e desonesta, com fins táticos e eleitorais negando o possível conteúdo superior que pode ser reunido por um nacionalismo purificado.
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Benito Mussolini - Cartaz Fascista |
Diarquia é uma forma de governo compartilhada por dois chefes de Estado.
Evola escreve que várias críticas foram dirigidas a partir de vários pontos de vista a respeito da diarquia, ou seja, a coexistência da Monarquia e de um tipo de ditadura no período Fascista.
Para muitos que estavam empolgados com o movimento mussoliano, a aceitação fascista da instituição monárquica se coloca como uma "falha revolucionária".
A diarquia tem caráter tradicional.
Desde a Roma Antiga admitia-se em casos de necessidade, como recurso não-revolucionário, uma dualidade de poder. Em outras constituições tradicionais sempre vemos relações equivalentes à do Rei e do Duce, Rei e Imperador, a coexistência de uma autoridade máxima de um território e um governador (no sentido militar).
O primeiro encarnando o puro, intangível e sagrado princípio da soberania, e o segundo aparecendo como aquele que, em períodos tempestuosos ou em vista de exigências particulares, executava deveres excepcionais numa posição arriscada que, devido à própria natureza da sua função, não podia aproveitar ao rex.
O plano do rei é um plano abstrato, sagrado e dirigido aos princípios puros.
O Fascismo se enveredou pelo caráter populista, digno de um Bonaparte, com a inclinação democrática/demagócica de ir "ao encontro do povo", aproveitando-se de sua adulação, e excitando as forças emocionais e irracionais das massas.
A obediência dos suditos, num plano ideal, deve se basear em um "pathos de distância" (Nietzche), porque sentem que estão na presença de alguém que é quase de outra natureza.
Tanto o Ducismo e o Hitlerismo discursam em uma orientação moderna e anti-tradicional, pois o respeito e autoridade se dá pela idéia (falsa) de igualdade do lider, que na essência se pauta na idéia de "popular", sendo "um de nós" e representa (falsamente) a "vontade do povo".
A diarquia deve ser considerada apenas como uma doutrina, abstraindo qualquer consideração sobre a situação presente, homens e coisas. Não existem hoje reis que se atrevam a intitular-se como tal que não pela vontade do povo, e, se existissem, ninguém lhes obedeceria.
A questão do "partido único"
O verdadeiro Estado não reconhece a partidocracia de um regime democrático e parlamentar.
Partido significa parte, e implica portanto uma multiplicidade.
Partido único seria a parte que pretende tornar-se o todo, ou, uma facção que elimina as outras sem se elevar a um plano superior, precisamente porque se continua a considerar como partido.
Só pelo conceito puro de "partido" denota-se um empecilho a um sistema realmente orgânico e monolítico.
Então, mais do que um partido, precisaremos de falar de uma espécie de "Ordem", remetendo-se a função que, noutros tempos, a nobreza teve enquanto classe política - até o período dos europeus centrais.
Nem Rússia, nem América
O que deve ser reassumido do Fascismo, como clara palvra de ordem, é a oposição tanto à Russia como à America.
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Cartaz Fascista contra os Aliados "O trabalho dos Libertadores" |
Cabe aos tradicionalistas, por falta de uma representatividade de uma "terceira via", infelizmente, a defesa interior, espiritual, subjetiva.
A defesa interior do capitalismo (americanismo) e do comunismo, já teria grande significado.
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