sábado, 27 de dezembro de 2014

Tributo aos Baleeiros - Herman Melville


Como Queequeg e eu, agora, estamos bastante envolvidos com a atividade da pesca de baleias; e como essa atividade é considerada uma atividade pouco poética e pouco honrada pelos homens da terra; por isso, estou ansioso de convencer-te, homem da terra, da injustiça que é feita a nós, caçadores de baleias.
Em primeiro lugar, pode parecer supérfluo apontar o fato de que, para a maior parte das pessoas, a atividade da pesca de baleias não é considerada do mesmo nível que as chamadas profissões liberais. Se um estranho, numa sociedade mista metropolitana, fosse apresentado como arpoador, por exemplo, seus méritos não seriam valorizados pela opinião geral; e se, emulando os oficiais da marinha, ele usasse as iniciais P.D.C. (Pescador de Cachalotes) em seu cartão de visita, tal procedimento seria considerado presunçoso e ridículo.
Sem dúvida, um dos motivos principais pelos quais o mundo no nega a honra, a nós baleeiros, é este: acreditam que, na melhor das hipóteses, nossa profissão se assemelha à dos açougueiros; e que quando estamos ocupados em trabalhar estamos cercados por todo tipo de sujeira. Somos açougueiros, é verdade. Mas açougueiros também, e dos mais ensanguentados, são todos os chefes militares que o mundo se compraz a respeitar. Quando à alegada imundície de nossa atividade, serás iniciado em certos fatos até agora muito pouco conhecidos e que, em seu conjunto, colocarão triunfalmente o navio baleeiro com a podridão execrável dos campos de batalha dos quais voltam tantos soldados que recebem os aplausos das damas? E, se é a ideia do perigo que valoriza tanto a profissão do soldado, asseguro-te que muitos dos veteranos que marcharam voluntariamente na direção de uma bateria teriam se recolhido diante da aparição da enorme cauda de um cachalote movimentando o ar por cima de suas cabeças. Pois o que são os terrores compreensíveis dos homens com a combinação de terrores e maravilhas de Deus?
Mas embora o mundo nutra desprezo por nós, caçadores de baleias, nem por isso deixa de nos prestar; sem o saber, a mais profunda homenagem; sim, uma adoração exuberante! Porque quase todas as velas, as lamparinas e as tochas que queimam por este mundo, diante de tantos santuários, queimam por glórias nossas!
Mas vê esse assunto com outros olhos, pesa em todos os tipos de balanças; atenta ao que nós, baleeiros, somos e àquilo que fomos.
Por que os holandeses do tempo de De Witt tinham almirantes nas suas esquadras de baleeiros? Por que Luís XVI da França equipou, com seu próprio dinheiro, navios baleeiros em Dunquerque e convidou cortesmente a ir para aquela cidade umas vinte ou quarenta famílias da nossa ilha de Nantucket? Por que a Grã-Bretanha, entre os anos de 1750 e 1788, pagou a seus baleeiros generosas quantias acima de um milhão de libras esterlinas? E finalmente, como é possível que nós, pescadores de baleia, seja os em maior número nos Estados Unidos do que em qualquer outra parte do mundo; tenhamos uma frota de mais de setecentos navios; uma tripulação de dezoito mil homens; um consumo anual de quatro milhões de dólares; a cada navio valendo no momento da partida vinte milhões de dólares; e importemos anualmente em nossos portas uma bela féria de sete milhões de dólares? Com tudo isso seria possível, se não houvesse algo de poderoso na pesca da baleia?
Mas isso não é nem a metade; observa mais uma vez.
Afirmo sem medo que o filósofo cosmopolita não pode, por mais que se esforce, demonstrar uma influência pacificadora que, nos últimos sessenta anos, tenha operado mais efetivamente sobre o vasto mundo, tomado como um todo único, do que a sublime e grandiosa atividade da pesca de baleias. De uma forma ou de outra, esse negócio produziu acontecimentos tão notáveis em si próprios e tão continuamente importantes em seus resultados sucessivos, que a pesca de baleias pode ser comparada àquela mãe egípcia que deu à luz filha que já estavam grávidas. Seria uma tarefa inglória e interminável enumerar todas essas coisas. Um punhado de fatos já basta. Durante muitos anos, o baleeiro foi o pioneiro descobridor das mais remotas e menos conhecidas partes da terra. Explorou oceanos e arquipélagos que não estavam nos mapas, onde Cook e Vancouver jamais tinham navegado. Se os vasos de guerra norte-americanos e europeus agora navegam em paz nos portos outrora selvagens, deixa que disparem suas saudações à honra e glória dos baleeiros, que originalmente abriram o caminho e estabeleceram as primeiras relações com os nativos. Devem ser aclamados como o são os heróis das expedições de exploração, teus Cooks e Krusensterns; mas posso afirmar que dezenas de capitães anônimos que zarparam de Nantucket foram tão ou mais importantes do que teu Cook ou teu Krusenstern. Pois, sem ajuda e de mãos vazias, nas águas pagãs povoadas por tubarões, e nas praias de ilhas desconhecidas, protegidas por dardos, eles lutaram contra as maravilhas e os terrores incultos que Cook, com todos os seus fuzileiros e mosqueteiros, não teriam ousado enfrentar. As viagens aos Mares do Sul, de que tanto se vangloriam, para os nossos heróis em Nantucket eram somente rotina. Frequentemente algumas aventuras às quais Vancouver dedica três capítulos eram consideradas pelos baleeiros indignas de ser mencionadas no simples diário de bordo. Ah, o mundo! Oh, o mundo!
Enquanto a pesca de baleias não chegou ao cabo Horn, não havia nenhum comércio a não ser o colonial, quase nenhuma outra relação a não ser a colonial, entre a Europa e a extensa linha de opulentas províncias espanholas da costa do Pacífico. Foi o baleeiro o primeiro a romper com a política invejosa da coroa espanhola em relação a essas colônias; e, se o espaço permitisse, poderia demonstrar como esses baleeiros tornaram possíveis não só a libertação do Peru, Chile e Bolívia do jugo da velha Espanha, como também o estabelecimento da democracia interna naquelas regiões.
Aquela grande América do outro lado do globo, a Austrália, foi entrega ao mundo esclarecido pelo baleeiro. Após ter sido descoberta por acaso por um holandês, por muito tempo os navios passaram longe dessas praias, consideradas pestíferas e bárbaras; mas o navio baleeiro foi até lá. O navio baleeiro é uma verdadeira mãe daquela, atualmente, poderosa colônia. Além disso, na infância dos primeiros assentamentos australianos, os emigrantes foram salvos inúmeras vezes da inanição graças ao biscoito benevolente do navio baleeiro, que por sorte ali lançava sua âncora.
As incontáveis ilhas da Polinésia confessam a mesma verdade e prestam homenagem comercial ao navio baleeiro, que abriu caminho para o missionário e para o mercador, e que em muitos casos levou os missionários primitivos a seus destinos iniciais.
Se aquela terra duplamente fechada que é o Japão uma dia se tornar hospitaleira, o mérito terá sido do navio baleeiro; pois lá esteve desde o princípio.
Mas se, frente a tudo isto, tu ainda disseres que à pesca de baleias não se associa nada esteticamente nobre, então estou pronto para ajustar contigo cinquenta vezes, e a cada vez desmontá-lo de seu cavalo com o elmo partido.


A baleia não tem nenhum escritor famoso e a pesca de baleias nenhum cronista famoso, dirás tu.
A baleia não tem nenhum escritor famoso e a pesca de baleias nenhum cronista famoso?
Quem escreveu o primeiro relato sobre o nosso Leviatã? Quem, senão o poderoso Jó? E quem compôs a primeira narrativa de uma viagem de pesca de baleias? Quem senão o próprio Alfred, o Grande, que com sua pena real anotou as palavras de Other, o caçador de baleias norueguês daqueles tempos? E quem pronunciou nosso esplêndido panegírico no Parlamento? Quem, senão Edmund Burke?
É verdade, mas então os baleeiros são uns pobres-diabos, que não tem sangue azul correndo nas veias.
Não tem sangue azul correndo nas veias? Têm algo melhor que sangue real ali. A avó de Benjamin Franklin era Mary Morrel; mais tarde, por casamento, tornou-se Mary Folger, uma das antigas colonizadoras de Nantucket, ancestral de uma extensa linhagem de Folgers e arpoadores - todos amigos e parentes do nobre Benjamin - que atualmente atiram seu ferro farpado por todo o mundo.
Muito bem; mas todos sabem que a pesca de baleias não é respeitável.
A pesca de baleias não é respeitável? A pesca de baleias é imperial! Pela antiga lei estatuária britânica, a baleia é declarada como sendo um "peixe real".
Oh, isso é meramente nominal! A baleia nunca foi descrita de modo imponente ou grandioso.
A baleia nunca foi descrita de modo imponente ou grandioso? Num dos imponentes triunfos concedidos a um general romano ao regressar à capital do mundo, os ossos de uma baleia, trazidos do litoral da Síria, foram o objeto mais conspícuo que se exibiu na procissão dos címbalos.
Admito, porque mencionas; mas dize o que quiseres, não há verdadeira dignidade na pesca de baleias.
Não há dignidade na pesca de baleias? A dignidade de nossa profissão está no próprio céu. A Baleia é uma constelação austral! E basta! Tira o chapéu na presença do czar e tira o chapéu na presença de Queequeg! Basta! Conheço um homem que durante a vida caçou 350 baleias. Considero esse homem mais respeitável do que o grande capitão da Antiguidade que se vangloria de ter derrubado o mesmo número de cidades fortificadas.
Quanto a mm, se acaso existe alguma qualidade ignorada dentro de mim; se alguma vez eu merecer um bom nome neste mundo tão silencioso do qual possa, não sem razão, sentir orgulhoso; se eu tiver feito algo que, em geral, foi melhor que tivesse feito do que deixado por fazer; se, quando eu morrer, meus testamenteiros, ou melhor, meus credores, encontrarem alguns manuscritos preciosos na minha escrivaninha, desde já atribuo antecipadamente toda a honra e glória à pesca de baleias; pois um navio baleeiro foi minha Universidade de Yale, minha Harvard.


Moby Dick (Herman Melville, 1851), Capítulo 24,O Defensor, pags. 124-129. 

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