sábado, 3 de janeiro de 2015

Nove obras de arte nascidas no Gulag


Entre os milhares de presos políticos do Gulag (sigla russa de Administração Geral dos Campos de Trabalho Correcional), havia escritores, poetas, artistas e músicos, que secretamente continuaram entregues à sua criação. Era severamente proibido desenhar ou fazer apontamentos, ainda menos enviar os trabalhos para fora das prisões.
 A Gazeta Russa compôs uma lista das obras de arte mais significativas no campo de desenho, da música e da literatura criadas nos campos de trabalhos correcionais soviéticos, que por várias vias chegaram aos nossos dias.

“Vinte e Quatro Prelúdios e Fugas”, para piano, de Vsévolod Zaderátski

Este ciclo para piano foi composto por Zaderátski no campo de Kolimá do Gulag, entre 1937 e 1939. O filho do compositor recorda:

“Ele conseguia arranjar tempo e vários modos de anotar suas composições. Meu pai tinha uma ótima caligrafia, o que ajudou a preservar o que escreveu. Por vezes, os guardas lhe forneciam papel, já que o admiravam como contador de histórias.”

Setenta e cinco anos após terem sido compostas, no último dia 14, as obras de Zaderatski estrearam no Conservatório de Moscou.

Interpretação de Jascha Nemtsov:



Poemas e peças de teatro em versos de Aleksandr Soljenítsin

As obras que deram fama mundial a este escritor, “Um Dia na Vida de Ivan Deníssovitch” e “Arquipélago Gulag”, foram escritas depois de sua reclusão, que durou de 1945 a 1953, já que o regime a que esteve submetido impossibilitava a criação de grandes obras literárias. Mesmo assim, da prisão trouxe na memória, com a ajuda de pequenos bocados de papel e de um rosário por ele confeccionado, alguns poemas e peças de teatro: “Veredazinha”, “Prisioneiros” e “O Festim dos Vencedores”.

O próprio Soljenítsin, na Parte 5 de “Arquipélago Gulag”, escreveu que havia memorizado, durante o tempo de prisão, 12 mil versos rimados. Só após seu 80º aniversário o escritor decidiu publicar suas primeiras obras poéticas.
“Naquela altura, elas eram minha respiração, minha vida. Me ajudaram a sobreviver”, revelou.

“Cadernos de Kolimá”, de Varlam Chalamov

Chalamov foi condenado por duas vezes aos campos de trabalho correcional: de 1929 a 1932 (no norte dos Urais) e de 1943 a 1951 (no rio Kolimá, em condições ainda mais duras). Em 1949, tendo deixado os trabalhos penosos e ingressado num hospital-prisão, onde exercia funções de enfermeiro, começou a tomar nota dos poemas que, mais tarde, deram forma aos “Cadernos de Kolimá”.

Soljenítsin os leu em 1956, copiados clandestinamente e, como ele próprio disse, “tremeu de emoção, ao encontrar neles um irmão”. Boris Pasternak também reconheceu o valor dos “Cadernos”.

Na década dos 60, começaram a ser publicados os primeiros “Contos de Kolimá”. Na obra se descrevia, em toda sua verdade e crueza, a vida dos reclusos, o que isolou e alienou completamente o escritor do establishment literário.


“Cantigas Maliciosas”, de Guillaurme du Vintrais, obra inventada por Iúri Veinert e Iakov Kharon

Os cem sonetos foram compostos entre 1937 e 1947 no campo de Amur por dois intelectuais moscovitas que se esconderam atrás de um imaginado poeta francês do século 16, suposta personagem do círculo do rei Henrique 4º de França. Os sonetos são uma talentosa mistificação, um jogo literário evocando a paixão inspirada pelos romances de Alexandre Dumas e por “Cyrano de Bergerac”, de Rostand.

Se imaginarmos o ambiente terrível em que nasceu aquela poesia –descontraída, elogiando as mulheres, o vinho e, essencialmente, a honra e a liberdade–, percebemos de que se trata mais de uma proeza criadora do que de um jogo literário. A invenção foi iniciada por Iúri Veinert (cujo apelido ressoa o do poeta imaginário), que morreu na reclusão. Iakov Kharon viveu até 1972 e conseguiu que as “Cantigas Maliciosas” fossem editadas.

“A Rosa do Mundo”, de Daniil Andreiev

Filho de Leonid Andreiev, famoso escritor do chamado Século de Prata da literatura russa, Daniil cresceu no seio de uma élite intelectual, denotando desde novo uma inclinação para o misticismo.

Na prisão (1974 – 1957), viveu o episódio de uma intensa iluminação mística, o que o levou a formular uma doutrina filosófica e religiosa expressa na principal obra do autor, “A Rosa do Mundo”, não menos convincente do que as narrativas poéticas de William Blake ou o “Livro de Mórmon”, de Joseph Smith.

Há quem diga que o livro de Daniil Andreiev não originou uma religião nova só por ter sido proibido na URSS. A primeira edição saiu em 1991.



Cartas de Pável Florénski do Extremo Oriente e das Ilhas Solovétski

As cartas do sacerdote ortodoxo Pável Florénski à mulher, aos filhos e a amigos íntimos, redigidas desde que foi detido, em 1933, até ser fuzilado, em 1937, foram recolhidas e publicadas num livro no final dos anos 90.

Não se trata propriamente de uma obra literária; porém, graças aos conhecimentos variados e à forte personalidade do autor das epístolas (que era filósofo, poeta, teólogo, matemático e biólogo), mesmo que dirigidas a entes queridos, aquelas se converteram numa obra filosófica com princípio, meio e fim. E também num testamento.

Miniaturas de Mikhail Sokolov

Mikhail Sokolov (1885-1947) era, após a revolução de 1917, um dos pintores mais conhecidos de Moscou. Na década dos 30, porém, se tornou um marginal, já que suas obras, da escola impressionista, não cabiam nas restrições do “realismo socialista”.

Em 1938, se viu num campo de trabalhos correcionais situado na região de Kémerovo, na Sibéria, onde fazia pequenos desenhos em bocados de papel, por vezes até naqueles em que se embrulhavam balas.

Eram paisagens da taiga e retratos de seus companheiros de infortúnios, que enviava por correio para Moscou, onde provocavam grande admiração.

Atualmente, as miniaturas de Sokolov são o orgulho do museu das artes plásticas de Iaroslavl, cidade onde nasceu.

Posts relacionados

´