A África continua sendo um padaroxo enigmático: um continente rico em recursos minerais, mas ainda desesperadamente pobre. Mas o paradoxo é apenas superficial: a África é pobre porque não é livre.
Somente 10 dos 54 países africanos podem ser considerados com histórias econômicas de sucesso: Angola, Benin, Botsuana, Gana, Madagascar, Malawi, Mali, Mauricio, Uganda e África do Sul. Isso dificilmente é uma surpresa, já que a África é o continente menos livre economicamente. Nenhum país africano é classificado pelo índice de liberdade econômica de 2011 da Heritage Foundation/Wall Street Journal como “livre”. Mauricio é classificada como “em sua maior parte livre”, e listados como “moderadamente livres” estão Botsuana, Cabo Verde, África do Sul, Ruanda, Madagascar, Uganda e Burkina Faso [N.R.: O artigo foi publicado em 2011. Desde então Maurício avançou muito.] . Alguns dos países considerados como histórias econômicas de sucesso têm sistemas políticos não-democráticos: Angola, Burkina Faso, Madagascar, Ruanda e Uganda.
Ironicamente, a África tradicional, em contraste com a África moderna, era caracterizada por sua alta liberdade econômica por séculos antes da chegada dos colonialistas europeus. Na época, a unidade econômica e política básica era a família estendida, a linhagem ou clã. Os meios de produção eram pertencentes à linhagem – uma entidade privada separada do governo tribal – e logo propriedade privada, embora a propriedade individual também fosse comum. A terra, por exemplo, era controlada pela linhagem, gerando o mito da propriedade comunitária, enquanto objetos de caça, lanças e canoas de pesca eram propriedade individual. Entretanto a família estendida agia como uma unidade corporativa, guiava a mão-de-obra familiar, e decidia qual semente plantar na terra da família. Havia a divisão sexual do trabalho, e o cultivo de sementes era sempre uma ocupação feminina na África tradicional, o que explica por que 70% dos fazendeiros camponeses da África atualmente são mulheres. A produção plantada nas fazendas era usada para alimentar a família; qualquer excedente era vendido nos livres mercados da vila.
Mercados Onipresentes
Os mercados eram onipresentes na África pré-colonial. Dois tipos eram distinguíveis: os periódicos (semanais) mercados rurais e os maiores mercados regionais. Alguns desses mercados regionais cresceram em grandes cidades como Timbuktu, Kano, Salaga, Sofala e Mombasa. Elas serviram como pontos de troca para mercados de longa distância. Timbuktu e Kano, por exemplo, serviam como uma caravana de troca de longa distância pelo Saara e o mercado de longa distância das áreas costeiras. As rotas de livre mercado cruzavam o continente. Bens e pessoas se moviam livremente entre eles. Os homens eram predominantes no comércio de longa distância enquanto as mulheres eram responsáveis pelos mercados rurais, que eram predominantemente comércios de produtos da agricultura.
Os preços nos mercados da África não eram controlados ou fixados por chefes ou governos tribais. Eles sempre foram determinados pela barganha de acordo com a lei da oferta e demanda. Por exemplo, quando o milho era escasso, seu preço subia, e o preço do peixe geralmente tendia a ser maior na manhã que no começo da tarde, quando os peixeiros estavam ansiosos para voltar para casa.
Além de atividades primárias como a agricultura, caça e pesca, os africanos se envolveram em uma variedade de atividades industriais na era pré-colonial – como tecelagem, cerâmica, fundição de bronze e a mineração e fundição de ferro, ouro, prata, cobre e estanho. Em Benin, “a indústria de vidro teve avanços extraordinários”, escreve Cheikh Anta Diop no livro Pre-Colonial Black Africa. Na Nigéria, “a indústria de tecidos era um ofício antigo”, diz Richard Olaniyan no livro Nigerian History and Culture. A cidade de Kano atingiu proeminência histórica no século XIV com seus tecidos finos tingidos de índigo, que eram comercializados por bens do norte da África. O povo Igbo, por exemplo, faziam tecidos das fibras das cascas das árvores. O povo Asante também era famoso por seus tecidos de algodão e de cascas de árvores (chamados kente e adwumfo).
Capital de Investimento
Para obter capital inicial para operações comerciais, os nativo-africanos se voltavam para duas tradicionais fontes de financiamento. Uma era o “pote da família”. Cada família estendida tinha um fundo em que membros faziam contribuições de acordo com seus meios. Entre o povo peixeiro Ewe seine de Gana, o pote da família era chamado agbadoho. Os membros pegavam emprestado desse pote para comprar suas redes de pesca e pagar seus empréstimos.
A segunda fonte de financiamento era um esquema de crédito rotativo que existia por toda a África. Era chamado de susu em Gana, esusuem Yoruba, tontines ou chilembre em Camarões e stokfel na África do Sul. Tipicamente, um grupo de, por exemplo, dez pessoas contribuiriam com $100 cada para o fundo. Quando o fundo alcançasse certa quana – digamos, $1.000 – era entregue aos membros por vez, que investiam o dinheiro em alguma tentativa de negócio. O banco Grameen em Bangladesh foi construído nesse conceito de esquema de crédito rural rotativo.
O lucro gerado por essas atividades econômicas era propriedade privada; era para os comerciantes, e não para expropriação pelos chefes ou comandantes. A prática tradicional era dividir o lucro. Sob o esquema abusa desenvolvido pelos agricultores de cacau em Gana no começo do século XX, o lucro líquido era dividido em três partes: um terço ia para o dono da fazenda, um terço para os trabalhadores contratados e o terço restante para a manutenção e expansão da fazenda. Sob o menos comum sistema abunu, os lucros eram divididos igualmente entre o dono e os trabalhadores. Variantes desse esquema de divisão de lucro eram estendidos além da agricultura, ao comércio e à pesca.
Chefes e reis desempenhavam um papel pequeno ou ausente na produção econômica. Seu papel tradicional era criar um ambiente pacífico para o comércio e para a atividade econômica florescer. Não existia nenhum empreendimento do governo tribal. Na maior parte dos casos na África, Peter Wickins escreve no livro An Economic History of Africa, “não havia interferência direta na produção”. Na verdade a intervenção estatal na economia foi a exceção em vez da regra na África pré-colonial. Como Robert H. Bates descreve no livroEssays on the Political Economy of Rural Africa, “na África pré-colonial, os estados apoiavam a especialização e o mercado; eles aboliam feudos; forneciam paz e estabilidade e as condições necessárias para o investimento privado; formavam trabalhos públicos... Dessa maneira, os estados garantiam a prosperidade para seus cidadãos”.
Capitalismo Camponês
O sistema descrito acima pode ser chamado de “capitalismo camponês”. Ele se difere do capitalismo ocidental em dois aspectos. Primeiro, como notado, a unidade operacional era o clã e não o indivíduo. Segundo, o lucro era compartilhado. Apesar disso, o clã era livre para se engajar em qualquer atividade econômica que escolhesse. Não precisava entrar em filas ao redor do palácio do chefe para obter permissão para se envolver no comércio, pesca ou tecelagem. Se uma ocupação ou uma linha de mercado não era lucrativa, os nativos africanos trocavam para outras mais lucrativas e sempre apreciavam a liberdade econômica de fazê-lo. Em termos modernos, aqueles que se engajam em atividades econômicas de seu próprio desejo são chamados “livre empreendedores”.
Por essa definição, os tecelões kente de Gana; os escultores Yoruba; os ferreiros de ouro e prata; assim como os vários nativos artesãos, comerciantes e agricultores eram livre empreendedores. Os nativos têm sido assim por séculos. Os Masai, Somali, Fulani e outros pecuaristas que arrebanhavam gado por longas distâncias na procura de água e pasto também eram livre empreendedores. Assim como também eram os comerciantes africanos que viajavam longas distâncias para comprar e vender commodities – um empreendimento econômico de tomada de risco. O sistema de família estendida oferecia-lhes a segurança e o trampolim que eles precisavam para empreender e assumir os riscos associados à atividade empreendedora. Se falhassem, o sistema de família estendida estava disponível para ajudá-los. Da mesma forma, se tivessem sucesso, eles tinham certa obrigação ao mesmo sistema.
África Nativa sob Domínio Colonial
Quando a África foi colonizada, os poderes do Ocidente buscaram controlar as atividades econômicas nativas. Na maior parte, entretanto, os nativos eram livres para tocar seus negócios. No leste da África, a colonização europeia era confinada aos enclaves urbanos e as áreas rurais foram deixadas praticamente intactas. Na África meridional e central a história foi um pouco diferente. Os saques e as atrocidades bárbaras contra os nativos no Congo do Rei Leopoldo não precisam de maiores explicações. Na África meridional, onde o clima era mais conveniente à colonização europeia, houve um grande confisco de terras, deslocamento maciço de nativos e restrições de seus movimentos e de lugares para morar. Entretanto, apesar dos contras formidáveis, os nativos puderam abrir mercados e competir com firmas europeias. Muitos o fizeram e tiveram sucesso. Havia comerciantes africanos ricos assim como madeireiros, donos de transporte e fazendeiros durante o período colonial. Dada as oportunidades e o acesso ao capital, os nativos africanos mostraram ser capazes de competir com os estrangeiros.
A Era de Ouro de Prosperidade Camponesa
O período de 1880–1950 pode ser descrito como a era de ouro de prosperidade na África. Embora o colonialismo tenha sido injusto, um de seus benefícios pouco conhecidos foi a paz que trouxe à África. O comércio de escravos e a competição por recursos tinham alimentado muitas das guerras tribais na África pré-colonial. A abolição do comércio de escravos por volta de 1840 eliminou uma das maiores causas de guerra, e a introdução de colheitas comerciais a serviço da Revolução Industrial na Europa forneceu novas oportunidades econômicas. Além disso, formas básicas de infraestrutura (estradas, rodovias, pontes, escolas, correios e assim por diante) foram construídas durante esse período. Isso facilitou bastante o movimento de bens e pessoas e deu expansão econômica um impulso tremendo. Por exemplo, A. A. Boahen escreve no livro Topics in West African History,
O volume da exportação de algodão na África Ocidental Francesa cresceu de uma média de 189 toneladas em 1910–1914 para 495.000 toneladas em 1935–1939, enquanto a de café subiu de 5.300 toneladas em 1905 para 495.000 toneladas em 1936. O volume de amendoim exportado de Senegal cresceu de 500.000 nos anos de 1890s para 723.000 toneladas em 1937. Porém, a maior história de sucesso foi da produção de cacau em Gana, cujo volume de exportação cresceu de somente 80 libras em 1881 para 2 milhões de libras em 1901 e 88,9 milhões de libras em 1911. Isso tornou Gana o maior produtor de cacau do mundo, e a quantidade continuaram a crescer até que chegou ao recorde de 305.000 toneladas em 1936.
O sistema econômico usado pelos nativos africanos para projetar essa prosperidade foi seu próprio sistema nativo. Exceto por alguns lugares da África, notavelmente nas colônias portuguesas, a agricultura de plantio era desconhecida. Culturas comerciais – cacau, café, chá, algodão – eram mantidas por agricultores camponeses em seus próprios lotes individuais usando métodos de agricultura e práticas tradicionais.
O ponto fundamental é que os nativos africanos tiveram a liberdade econômica de eles próprios decidirem o que queriam plantar e o que fazer com o resultado. Como Francis Kendall e Leon Louw – dois sul-africanos brancos – notaram no livro After Apartheid: The Solution: “A liberdade que caracterizou a sociedade tribal em parte explica por que os sul-africanos negros responderam tão positivamente aos desafios de um livre mercado ao ponto que, por volta de 1870, eles estavam superando os brancos, especialmente como agricultores”. Mas o sucesso dos negros teve consequências trágicas. Os colonialistas brancos temiam a competição dos negros:
Não apenas os negros são melhores agricultores, mas também estavam competindo com os agricultores brancos por terra. Além disso, eles se tornaram autossuficientes e, portanto não estavam mais disponíveis para trabalhar nas fazendas dos brancos e na indústria, principalmente nas minas de ouro Transvaal em que seu trabalho era precariamente necessário. Como resultado, uma série de leis passou que tirou quase toda a liberdade econômica dos negros. O propósito dessas leis era evitar que os negros competissem com os brancos e os levar à força de trabalho.
Em 1896, 1876 e 1884 a Cape Assembly passou uma série de Atos Locais (Location Acts, a primeira série de leis do apartheid) que buscava proteger os agricultores brancos da competição com negros e forçar os negros a se tornarem trabalhadores remunerados ao trabalharem para agricultores brancos. Então veio o Native Land Act de 1913. O resto é história.
Predação Pós-Colonial
Por toda a África, a liberdade econômica dos nativos foi tirada por líderes funcionalmente e culturalmente analfabetos depois da independência por volta de 1960. Alegando que o capitalismo de livre mercado era uma ideologia ocidental, a maioria da primeira geração de líderes africanos pós-colonial adotou o socialismo de estado – a antítese do livre mercado – como sua ideologia política. Uma proliferação de ideologias socialistas varreu o continente, incluindo alguns exemplos bem bizarros: o Ujaama de Julius Nyere (“familyhood”, ou socialismo, em Swahili) na Tanzânia; a vaga mistura de marxismo, socialismo cristão, humanitarianismo e “negritude” de Leopold Senghor no Senegal; o humanismo de Kenneth Kaunda na Zâmbia; o socialismo científico de Marien N'Gouabi no Congo (Brazzaville); o socialismo árabe-islâmico de Muammar Gaddafi na Líbia; o Nkrumaism (“consciencismo”) de Kwame Nkrumah na Gana; o Mobutuism de Mobutu Sese Seko no Zaire; e o Bourguibisme de Habib Bourguiba na Tunísia.
Terras desocupadas, juntamente com os pilares da economia, foram confiscadas pelo estado em Angola, Etiópia, Nigéria, Moçambique, Tanzânia e outros países. Companhias estrangeiras foram nacionalizadas, e uma infinidade de controles governamentais foi instituída para garantir a participação do estado na economia. Uma variedade estonteante de empresas estatais foi estabelecida a esmo.
Fundamentalmente Estrangeiro
A ideologia socialista é fundamentalmente estrangeira e falhou miseravelmente em todo lugar que foi implementada na África. Propriedade estatal, controles e intervenções nunca foram parte da herança econômica da África.
Mais chocantes foram os ataques frontais ao comércio em que os nativos se engajavam por séculos. Em muitos países africanos eles foram demolidos. De fato, houve um tempo quando o diretor do Club du Sahel, Anne de Lattere, começava seus encontros com a frase, “bem, há uma coisa em que podemos concordar: que os comerciantes privados devem ser fuzilados” (West Africa, Jan. 26, 1987, 154). Sob o programa absurdo de Sekou Toure “Marxismo em Roupagem Africana” (Marxism in African Clothes) na Guiné, “o comércio não autorizado tornou-se um crime” (New York Times, Dec. 28, 1987, 28).
Em Gana, o regime marxista de Rawling denunciou mercados nativos como antros de exploradores econômicos e sabotadores. Estabeleceu rigorosos controles de preços em centenas de bens durante o período de 1981–1983. Mercados foram queimados e destruídos em Accra, Kumasi, Koforidua e outras cidades quando os comerciantes se recusavam a vender nos preços ditados pelo governo.
No dia 18 de Maio de 2005, outro episódio de insanidade econômica se repetiu no Zimbábue.
Unidades paramilitares armadas com cassetetes e escudos quebraram barracas de vendedores ambulantes em uma operação policial na capital, Harare. “A declaração oficial alegou que os ataques visavam os exploradores do mercado negro, que estavam acumulando mercadorias”, o jornal New York Times noticiou. No que o presidente Robert Mugabe apelidou de “Operação Murambatsvina”, que a imprensa pertencente ao estado traduziu como “Operação Restauração da Ordem”, mas em Shona foi traduzido como “Operação Tirando o Lixo”, a polícia destruiu 34 mercados de pulga e arrecadou 900 milhões de dólares zimbabuanos ($100.00 dólares americanos) em multas e confiscou cerca de 2,2 bilhões de dólares zimbabuanos em bens. “O presidente Mugabe culpou o Ocidente pela crise econômica da nação”, noticiou o BBC News Africa. Ao menos 22.000 ambulantes foram presos e mais de 700.000 ficaram sem casa.
Nenhum chefe ou rei africano poderia cometer tais atos de insanidade econômica e deslealdade cultural e permanecer no poder. Não há nada errado com o sistema econômico tradicional de livre mercado, livre iniciativa e livre comércio. Tudo o que os líderes tinham que fazer depois da independência era se basear nisso. Somente Botsuana o fez. Mas a grande maioria dos líderes africanos – uma variedade de neocolonialistas negros, socialistas de banco suíço, revolucionários charlatões e liberadores crocodile – vieram e copiaram todo o tipo de prática estrangeira e impuseram em seu povo.
E eles aprenderam? Não. Neocolonialistas negros estiveram ocupados importando outra ideologia estrangeira, dessa vez da China: No dia 14 de Agosto de 2010, Xinhua noticiou: “Um total de 25 institutos Confúcio foram abertos em 18 países africanos”.
Tradução de Robson Silva. Revisão de Ivanildo Terceiro.
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